sábado, 22 de novembro de 2014

RESENHA: 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO (2014)

Brenda de Castro
Internacionalista e Mestranda em Ciência Política (PPGCP/UFPA)

Na semana da consciência negra, um dos temas mais discutidos é o racismo. Racismo este que remonta quase que automaticamente à escravidão, prática muito mais antiga que a época das grandes navegações, mas que teve nesta o início de um dos períodos mais sombrios da humanidade. A partir do momento em que os povos africanos começaram a ser escravizados e comercializados pelo continente americano, as culturas locais começaram a se formar e sentimos até hoje, em muitos países, os efeitos deste histórico de exploração.
Apesar de cada país ter sua própria história em relação ao racismo e à escravidão negra, os Estados Unidos sempre se destacaram por alguns diferenciais como a questão de não ser uma população tão miscigenada, além do tempo em que o sul do país levou para abolir a escravidão. O país tem também em seu histórico práticas explícitas de racismo, como a segregação em lugares e transportes públicos de negros e brancos.
Contudo, é no período em que o negro nascido ao norte era livre e no sul era escravo em que o filme de hoje se ambienta. 12 anos de escravidão (12 years a slave,) dirigido por Steve McQueen, traz a história do protagonista, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um negro, nascido livre, que é músico e alfabetizado. Após receber uma oportunidade de trabalho em Washington, é sequestrado no ano de 1841 para o estado de Louisianna, tornando-se um escravo, sem ter nada nem ninguém a quem recorrer.
O diferencial do filme é justamente explorar a perda da liberdade em si, já conquistada. Normalmente as histórias partem do pressuposto que os escravos que ali estão, já o são, dificilmente aborda a vida liberta que tinham antes de chegar ali. Então, para o espectador é um choque ainda maior ver um homem que era nascido livre e tocava sua vida normalmente, se ver sendo escravizado como seu pai havia sido no passado, algo que ele nunca vivera.
A situação causa revolta e indignação ao presenciarmos quão oscilante pode ser a ideia de certo e errado. Enquanto em um Estado aquele homem possuía direitos, em outro, não era considerado nada, inclusive nem mesmo carregava mais o próprio nome, uma total anulação da sua identidade e existência.
Num primeiro momento ele tenta desesperadamente provar que é um homem livre, que aquilo não se passa de um engano, mas as chicotadas e os espancamentos só vêm como reafirmações da sua atual condição. Por fim, para preservar sua vida e uma possível oportunidade de fuga futura, ele se submete a diversas condições, inclusive chegando a esconder o fato de ser alfabetizado.

Tanto a direção do filme como a atuação de Chiwetel não provocam lágrimas ou cenas melancólicas, mas são preenchidas pela frieza e autocontrole que o protagonista tenta suportar em todas suas provações. Sem nunca desistir. A história é impressionante justamente por ser real e o livro que deu origem ao filme ter sido escrito pelo próprio Solomon Northup após conseguir se libertar da escravidão.
Não havia tanto a ideia de direitos a serem conquistados por todos, de união ou coletividade, talvez até mesmo pela ausência deste conceito, de que todos tinham aquele direito. A liberdade parece em diversos momentos do filme uma urgência e necessidade individual. Contudo, Solomon passa a desenvolver este senso com o passar do tempo e após sua libertação se torna um ativista pelos direitos.
Observamos com Solomon o absurdo da objetificação das pessoas, inclusive numa cena chocante em que mãe e filha são separadas. Assim como os diversos pensamentos diferentes dos que praticavam a escravidão: dos mais radicais e desumanos. Até mesmo aqueles que enxergam o erro na prática, mas pouco ou nada fazem para impedi-la.

O filme é duro de assistir e apesar de quase duas horas de longa-metragem, cada minuto nos traz algum tipo de reflexão e indignação. Mostra os diferentes níveis da escravidão e os tipos de escravocratas, além de demonstrar o cotidiano em que os escravos viviam e como cada um encarava sua condição, desde os que continuavam tentando fugir até aqueles que se conformavam e apenas tentavam diminuir as causas para o sofrimento.

Por fim, após os doze anos que o título do filme leva, Solomon acaba conseguindo fugir e voltar para sua família, mas não deixa que sua experiência tenha sido em vão e publica o livro com sua história, para aproximar das pessoas uma realidade distante, principalmente para aqueles que, como ele, nasceram livres e não conheceram as mazelas da privação da sua liberdade.

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