quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

“Do pobachennya, Lenin” (Adeus, Lênin)

Brenda de Castro
Internacionalista pela Universidade da Amazônia
Mestranda em Ciência Política pela UFPA

(Retirada da estrela soviética do mastro do parlamento ucraniano)
Para quem não é muito familiarizado com a história da Ucrânia a retirada das estátuas de Lênin em algumas cidades pode estar parecendo obra da ultradireita neonazista como muitos analistas têm pregado. É uma afirmação um tanto quanto extremista e reducionista da política no país, pois ainda que não se possa negar a existência destas vertentes (como há em muitos outros países) o simbolismo da derrubada das estátuas que representam os séculos de dominação e influência russa, é totalmente compreensível.
Do mesmo modo que o Partido Liberdade de extrema-direita tem tentado se aproveitar da situação, outros também o tem feito e, com tamanha proporcionalidade, a população tem se manifestado contra tais investidas. Então, para quê reduzir a uma questão ideológica radical este ato que tanto pode servir de base para compreender as relações históricas entre Rússia e Ucrânia?
Para tentar desvencilhar um pouco mais esta ideia reducionista, vamos supor o seguinte cenário: o Brasil, possui uma origem comum à Argentina, contudo, durante séculos, o destino do Brasil ficou nas mãos do vizinho por invasões e, como se não fosse suficiente, quando a Argentina promove a sua revolução, o Brasil que sonhava com sua liberdade, viu-se novamente subordinado aos ideários que não condiziam com os da sua população. Imaginemos agora que depois de 80 anos em uma unificação territorial forçada, período no qual a língua oficial era o espanhol e não o português, o Brasil finalmente se vê independente.
Só que nas décadas que se seguem o país continua extremamente dependente à Argentina, com a cooperação internacional limitada a alguns países e vez ou outra entrando em crise com o vizinho. Enfim, deflagra-se toda a crise contra a influência Argentina. Será que só os neonazistas derrubariam as estátuas de, digamos, Perón pelas cidades brasileiras?
Crédito: Ivan Sekretarev
A ideia é que, apesar de que a extrema direita esteja tentando tirar proveito da situação, não se pode reduzir toda uma complexa relação histórica e desmerecer a manifestação popular por conta disto.
Mesmo com a melhor das intenções, propagar que o movimento anti-Rússia é uma manobra neonazista de certo modo deslegitima a manifestação e incita medo na comunidade internacional e nos países vizinhos. Não seria essa também uma manobra?
Restringir a derrubada das estátuas com esta ideologia não apenas deslegitima as manifestações como nega também todos os movimentos de resistência na história ucraniana.
Quando da Revolução Russa, por exemplo, a Ucrânia possuiu movimentos próprios de independência, simbolizados no anarquista Nestor Makhno, de quem são as seguintes palavras:
“O povo ucraniano, tendo herdado a tradição da liberdade que havia sido conservada desde o passado longínquo, soube conservar esta liberdade através de séculos de escravidão e exprimiu agora, de modo inesperado, as forças que retinha nele mesmo: ousadia, coragem, temeridade e espírito de revolta. (...) Em seguida, ele revelou sua verdadeira face ao se transformar em Revolução Social Ucraniana.”
A passagem acima poderia ser sobre as manifestações deste século, mas dizem respeito à resistência ucraniana ao domínio bolchevique e dos ideais destorcidos da revolução. Ainda assim, o país foi derrotado e anexado à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Mesmo durante o período soviético a população resistiu a aderir a políticas como a coletivização da agricultura – considerando que a Ucrânia era tida como o “celeiro” por conta de suas terras férteis – e teve como represália a confiscação da produção e deportação forçada para lugares inóspitos onde vieram a falecer entre 3 e 7 milhões de ucranianos no evento que ficou conhecido como Holodomor, a Grande Fome.
Com o fim da URSS, a Ucrânia finalmente conquista sua independência, mas o caminho para sua liberdade de facto ainda é tortuoso. Em meados de 2004 e 2005, por exemplo, suspeitas de fraude na eleição presidencial levaram milhares de ucranianos às ruas no que se tornou a Revolução Laranja, levando a uma nova eleição com aprovação de observadores internos e externos que mudaram o resultado de Viktor Yanukovych (o então presidente da recente crise) para o seu opositor Viktor Yushchenko que não conseguiu reeleição em 2010, sendo eleito Yanukovych.
Crédito: Genya Savilov
Assim, num breve relance da história ucraniana, espero ter destacado a razão de achar de um reducionismo perigoso interpretar a derrubada de um símbolo de décadas de opressão e subordinação do país vizinho como uma iniciativa tão somente neonazista. É desmerecer toda a história de resistência do país e também desconsiderar o fato de que, em momentos de crise como estes, todos os partidos tentarão tomar vantagem da situação.
Os próprios protestos apesar de terem tido seu estopim no afastamento das relações com a União Europeia representam a busca da liberdade e independência, não estar mais aprisionado na esfera russa vinte anos depois do fim da Guerra Fria.
Do pobachennya, Lenin. Em bom ucraniano.

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