sábado, 24 de maio de 2014

Resenha: Johnny Vai à Guerra (1971)

Brenda de Castro
Internacionalista (UNAMA) e Mestranda em Ciência Política (PPGCP/UFPA)

            Quando pensamos em filmes sobre guerras nos vêm à mente: O Resgate do Soldado Ryan (1998), Pearl Harbor (2001), Platoon (1986), Apocalipse Now (1979), Rambo I (1982), entre outros. Com ressalva das particularidades de cada roteiro e direção, todos os filmes acabam possuindo a mesma fórmula: o ponto de vista americano das guerras, as perdas pessoais, muitas explosões e tiros. Superproduções com cenas de tirar o fôlego, a famosa guerra hollywoodiana, por assim dizer.
            Os filmes de guerra se dividem basicamente entre os prós e os antiguerra. Rambo, por exemplo, mostra um ex-soldado sofrendo traumas da guerra e a agressividade dos seus compatriotas no seu retorno aos Estados Unidos. Rambo mostra um herói americano da guerra “injustiçado” no contexto da Guerra do Vietnã que recebia muitas críticas e protestos por parte da sociedade estadunidense.
            No quesito antiguerra muitos filmes se destacam, passando uma mensagem direta ou apenas despertando a reflexão para temas menos óbvios da guerra como acontece em Guerra ao Terror (The HurtLocker, no original, 2009). Porém, uma coisa é sempre certa: todos os filmes de guerra tendem a emocionar, incomodar, chocar. Alguns chegam a apelar – para o que na verdade é apenas a realidade – de abusos sexuais, mutilações e cenas violentas que nos fazem desviar o olhar da tela. O explícito é muito utilizado como recurso nesse gênero.
            Por isso, achei interessante trazer a discussão sobre um filme clássico, porém não muito popular. Johnny Vai à Guerra (Johnny Got His Gun, no original, de1971) dirigido e escrito por Dalton Trumbo, baseado em seu livro homônimo de 1938. No quesito técnico, o filme não é uma obra-prima do cinema no tocante às atuações. Na verdade, torna-se até difícil falar sobre atuação quando o personagem principal, Joe Bonham (Timothy Bottoms), passa grande parte do filme com o rosto coberto e quase sem movimentos, enquanto acompanhamos apenas a voz da sua consciência.
            O nome do filme no original faz referência à frase “Johnny GetYourGun” (“Johnny, pegue sua arma” em tradução livre) um slogan muito utilizado para convocar os jovens para a guerra no final do século XIX e início do século XX. A frase também é o nome de um filme de 1919 dirigido por Donald Crisp. Assim, Johnny Got His Gun, seria a resposta do que acontece com Johnny após ele seguir os conselhos de alistamento para guerra. O filme inspirou até mesmo a banda Metallica na gravação da música One.
            O filme começa em preto e branco com médicos e militares descrevendo a situação de um soldado desconhecido resgatado do campo de batalha na Primeira Guerra Mundial. O recruta é considerado com morte cerebral e incapaz de sentir dores ou emoções e mantido vivo apenas para estudos.
            Em seguida, o filme passa cenas com cores mostrando Joe Bonham com sua namorada antes de ir para a guerra convencido a servir sua pátria. Essas alternâncias entre o soldado mutilado no hospital em preto e branco com lembranças e delírios dele em cores. 
            O paciente não fala, não se move, mas acompanhamos os seus pensamentos e sua angústia enquanto toma conhecimento da sua situação aos poucos. Em comparação com os filmes supracitados este é bem mais difícil de prender a atenção. Contudo, a partir do momento que se acostuma com o ritmo do filme, é angustiante todo o resto do filme. Observar o soldado sendo tratado como um corpo morto, enquanto ele tem ainda total consciência do que se passa e não consegue se comunicar.
            Em um de seus delírios e lembranças, Joe ainda criança pergunta para o pai o motivo dos jovens terem que morrer pela democracia enquanto recebe a resposta de que os jovens não têm nada a perder e que “pela democracia qualquer homem entregaria o seu único filho”.
            Uma das cenas que em mim causou maior comoção talvez tenha sido o momento em que Joe tenta mover sua boca e vai se dando conta aos poucos que não possui mais dentes, língua, mandíbula, apenas um buraco no rosto. Enquanto a enfermeira calmamente cuida de seus ferimentos, Joe grita em sua própria consciência sem que ninguém atente para seu sofrimento e consideram os movimentos de sua cabeça como espasmos involuntários.  
            O diferencial de Johnny Vai à Guerra reside no foco no personagem principal. Um nome genérico que simboliza todas as jovens vítimas da guerra do ponto de vista de um evento individual, pessoal e não nacional ou político. Pareceu-me importante trazer esse filme justamente pelo fato de não tratar das causas da guerra, dos países envolvidos, das invasões ou das estratégias. Mas, sim, do indivíduo. Aquele que é sacrificado e esquecido em nome da democracia.

            SPOILER: Joe começa a se comunicar por código morse com movimentos da cabeça e pede incessantemente que o matem. Os militares, contudo, preferem mantê-lo vivo e em segredo. No fim, perde seu tom de desespero e aceita comedido seu destino, como quem desiste em tom de lamento: “A única coisa que querem é colocar-me de volta na escuridão para que não me vejam”. Por fim, perde até mesmo sua fé em Deus.

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