sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Um Dia Para Lembrar Que Mulher Deve Ser Respeitada Todos os Dias

Kellimeire Campos
Acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da Unama


“Devemos lutar para preservar o melhor de cada cultura e deixar para trás o que não é bom.
Não há nenhuma razão religiosa, de saúde ou de desenvolvimento para mutilar ou cortar qualquer menina ou mulher. Embora alguns argumentem que é uma ‘tradição’, devemos lembrar que a escravidão, as mortes por honra e outras práticas desumanas foram defendidas com o mesmo argumento”.
Ban Ki-moon, Secretário-geral da ONU.

No dia 20 de dezembro de 2012 foi aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a resolução que instituiu o dia 6 de fevereiro, como o dia internacional da tolerância zero à mutilação genital feminina.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a mutilação genital feminina (FGM, sigla em inglês) compreende todos os procedimentos que envolvam a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos ou quaisquer danos infligidos aos órgãos genitais femininos por motivos não médicos, sendo uma violação dos direitos humanos.
A OMS estima que a FGM teve sua origem na antiga civilização egípcia, e que mais de 125 milhões de meninas e mulheres tenham sido mutiladas em 29 países na África e no Oriente Médio, que é onde se tem dados disponíveis.
A faixa etária em que quase sempre é feita a FGM varia entre os 0 a 15 anos, mas mulheres adultas e casadas também estão sujeitas à prática. Existem várias motivações culturais e religiosas[1] para que esta prática continue sendo realizada em algumas sociedades. A exemplo disso, existe a crença de que essa assegura e preserva a virgindade de meninas e mulheres, assegura a fidelidade conjugal, e está relacionada com a imagem de mulheres “limpas” e belas.
As consequências da FGM são físicas e psicológicas, se iniciam no exato momento em que é feita a mutilação e segue pelo resto da vida dessas meninas e mulheres.
Os efeitos imediatos costumam ser as infecções e as hemorragias, que tem seu nível de gravidade aumentando de acordo com extensão da intervenção, que colocam em risco a vida destas pessoas. As sequelas também podem ser a infertilidade, problemas durante o parto, e como em quase todos os casos, fortes dores durante o ato sexual.
As sequelas psicológicas resultam da perpetuação de uma cultura de opressão das mulheres em todos os seguimentos de sua vida, inclusive na sua intimidade, e são ainda mais variadas que as físicas.
Após explicar, ainda que de modo simples, um problema que possui muitos detalhes e que provocam impactos intensos em vidas humanas, este texto propõe iniciar uma reflexão (que quase sempre beira o questionamento do universalismo dos direitos humanos e o entrave da soberania dos Estados), através de uma breve analise que será feita utilizando como ferramenta a teoria pós-moderna.
Para esta teoria, os conceitos de Poder e Estado não possuem o mesmo tratamento dado pelas teorias positivistas das Relações Internacionais (RI). O poder não é algo que é passível de posse, o poder se exerce e só existe em ação, sendo uma relação de força.
Neste contexto, o Estado não é o centro irradiador de poder, mas uma de suas diferentes manifestações. Para Foucault, “o Estado nada mais é do que um efeito”, logo não é um objeto previamente dado, mas o resultado de contingências que o antecederam.
 O Estado como conhecemos hoje passou por um longo processo de governamentalização, cujo domínio deixou de ser a territorialidade, e tornou-se a população. Assim este tipo de governo é exercido através da interseção do legislativo, com as práticas disciplinares e os mecanismos de segurança.
No que tange a FGM ocorre um processo de objetificação entre as pessoas das comunidades que praticam a mutilação, no qual as mulheres se tornam objetos que, ao não seguirem os padrões aplicados, não são aptas a participarem de convenções sociais entre aqueles sujeitos.
Fica evidenciado também a relação de poder entre diferentes agentes internacionais. A FGM tornou-se atenção mundial através da história da modelo somali, Waris Dirie, que foi mutilada ainda criança, com treze anos fugiu de seu casamento arranjado e trabalhou durante anos em Londres, até que foi descoberta por um fotógrafo e, assim, iniciou sua carreira internacional.
Dirie falou sobre sua experiência traumática em uma entrevista, e após isso, contou sua história em seu livro “Desert Flower” (que foi adaptado para filme), iniciando sua luta contra a prática da FGM. Ela foi nomeada embaixadora especial da ONU sobre os direitos das mulheres na África e criou a ONG Desert Flower que luta para extinção da FMG.
Em relação aos Estados eles também utilizam de seu poder disciplinar para eliminar esta prática. Foi o que aconteceu na Etiópia, onde um grupo de pessoas foram julgadas e penalizadas por terem praticado a FMG. E países como a Uganda, o Quênia e Guiné-Bissau também criaram leis com a finalidade de terminar com esta prática.
A FMG está passando a ser uma grave violação dos direitos de meninas e mulheres, para quem olha de dentro das comunidades que a praticam. Apesar disso, no ano passado a ONU declarou que se os números de casos continuassem como estavam, cerca de 86 milhões de meninas em todo o mundo ainda estariam sujeitas a sofrer a prática até 2030.

REFERÊNCIAS
Eliminação da mutilação genital feminina - Declaração Conjunta: OHCHR, ONUSIDA, PNUD, UNECA, UNESCO, UNFPA, ACNUR, UNICEF, UNIFEM, OMS. Disponível em: http://www.apf.pt/cms/files/conteudos/file/Livraria%20virtual/Eliminacao%20da%20MGF.pdf
Preserve o melhor da cultura e deixe para trás o que não é bom’, diz secretário-geral da ONU sobre mutilação genital feminina. Disponível em: http://unicrio.org.br/preserve-o-melhor-da-cultura-e-deixe-para-tras-o-que-nao-e-bom-diz-secretario-geral-da-onu-sobre-mutilacao-genital-feminina/



[1] Sobre as motivações religiosas a OMS e a UNFPA (United Nations Population Fund) elucidam que a FGM ocorre entre cristãos, judeus e muçulmanos, mas que nenhum de seus textos sagrados prescrevem essa prática.

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