Caio Rebelo
Acadêmico do 6º semestre
A situação no Egito ilustra bem os problemas enfrentados por diversos
países que, depois de deporem governos autoritários ou ditatoriais, agora
buscam a redemocratização. Após a deposição de Mubarak, os vários segmentos que
cooperaram para derrubar o antigo regime (liberais de esquerda, islamitas
conservadores, cristãos cooptas etc.) passaram a disputar o poder entre si, e o
fato de que nenhum dos principais segmentos – a esquerda liberal e os
conservadores muçulmanos – representa a maioria incontestável da população
apenas agravou a situação.
A recusa do governo Morsi, alinhado com a Irmandade Muçulmana e os
demais segmentos tradicionalistas, de incluir efetivamente a oposição no
processo decisório acabou deflagrando uma crise
de governabilidade no país, o que levou a uma nova onda de protestos que
culminou no ultimato das Forças Armadas e a sua deposição, seguida pela
nomeação de um governo provisório, que conta com o antigo chefe da Suprema
Corte Constitucional do Egito, Adly Mansour como presidente e o Nobel da Paz em
2005, Mohamed ElBaradei como vice.
A intervenção dos militares no cenário político egípcio, infelizmente
algo recorrente na história recente do país, pode, sob uma justificativa
qualquer, abrir um precedente perigoso no país e na região, pois ao colocar o
processo constitucional em segundo plano e excluir a sociedade civil do campo
decisório cria-se a possibilidade – caso o impasse entre laicos e
fundamentalistas se agrave – de uma nova era de governos autocráticos, usando a
manutenção da ordem como forma de justificar sua legitimidade.
Por outro lado, as manifestações que reuniram milhares de simpatizantes
do presidente deposto nesta sexta-feira (19/07), bem como demonstrações de
apoio em outros países da região, particularmente na Faixa de Gaza, podem
sinalizar uma nova onda de protestos em resposta ao golpe, desta vez movida pelos
grupos fundamentalistas, que pode ser uma bomba em vias de ser armada, motivo
pelo qual os países laicos da região, como a Turquia ou potências militares
como Israel, assim como potências como os Estados Unidos olham para a questão
com receio e cautela, especialmente levando em conta o peso geopolítico que o
Egito tem na região, tanto como potência regional e aliado norte-americano
quanto como rota de acesso marítimo via Suez, muito embora a presença de
ElBaradei como encarregado da política externa do país tenha sido vista com
otimismo internacionalmente.
A necessidade ou não de um golpe no governo Morsi é uma questão complexa
e que requer uma profunda análise por parte das Relações Internacionais. Seus
impactos ainda são difíceis de serem previstos com exatidão. O governo de transição terá de lidar com muitas
variáveis de difícil controle, de forma que até o momento só é possível dizer
que o futuro do governo provisório e do próprio Egito é ambíguo como o gato de Schrodinger: tanto a
possibilidade de um governo democrático e mais representativo (que deverá
tentar incluir mesmo os segmentos mais radicais do islamismo, tanto quanto os
moderados) quanto a de um retrocesso em termos democráticos coexistem
simultaneamente, de forma que apenas com as eleições legislativas e a
formulação de uma nova constituição marcadas para no
máximo 2014 será possível saber o que metaforicamente sairá da caixa.
REFERÊNCIAS
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