Marina Cunha de Araújo
Acadêmica do 8º Semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
A partir da década de 60, o Brasil
passou a se preocupar em reintegrar a Amazônia ao restante do país, baseando-se
na lógica militar do “integrar para não entregar”. Desta forma, a região passou
a adotar mais uma vez a responsabilidade de fornecedora de matérias-primas e
consumidora de produtos industrializados, além de servir como alívio
demográfico para as regiões Sul e Sudeste, uma vez que os grandes projetos que
viriam a se instalar na região a partir daí demandavam extensa mão-de-obra. Na
prática, a maior parte dos grandes projetos que se instalaram na região
mobilizou uma quantidade significativa de mão-de-obra que não pode ser
assimilada ao todo e que acabou por se tornar um peso demográfico que o governo
não previa e não tinha condições e/ou intenções de amparar.
A posição desprivilegiada da Amazônia
na periferia da Divisão Territorial do Trabalho, assim como da Divisão
Internacional do Trabalho, não passava despercebida, mas era justificada pelo
governo federal como uma medida necessária contra as ações comunistas que
poderiam vir a se alastrar pela região, argumento esse reforçado pela guerrilha
do Araguaia. Percebe-se então um dos primeiros indícios da implementação de uma
relação de poder na região após a Segunda Guerra Mundial.
No caso da Amazônia, os grandes projetos
implementados na região têm sido responsáveis por perpetuar as relações de
poder, onde o governo se coloca como agente dominante e a população recebe o
papel de agente dominado, uma vez que nenhum desses projetos ou as próprias
políticas públicas para a região proporcionou os instrumentos necessários para
que a população pudesse ter uma voz ativa no planejamento de seu
desenvolvimento socioeconômico e cultural.
Neste contexto, surge o Fundo Amazônia,
uma iniciativa brasileira de contribuição para a redução de emissões
resultantes do desmatamento e da degradação das florestas, cujo objetivo
principal é o combate ao desmatamento e a promoção da conservação e uso
sustentável do bioma amazônico. O fundo trabalha através do financiamento de
projetos voltados para o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental na
região amazônica e visa alcançar resultados dentro de sete grandes áreas:
atividades econômicas de uso sustentável das florestas; gestão de florestas
públicas e áreas protegidas; manejo florestal sustentável; controle,
monitoramento e fiscalização ambiental; recuperação de áreas desmatadas; e
zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização
fundiária. Estes resultados visam um futuro amazônico baseado no apoio a
atividades econômicas sustentáveis, através da implementação de um novo modelo
de desenvolvimento na região.
Entretanto, um dos condicionantes
mínimos para a aprovação de projetos por parte do Fundo é que o mesmo contribua
direta ou indiretamente ao REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e
Degradação Florestal), mecanismo internacional através do qual se contabiliza a
redução da emissão de carbono através da redução do desmatamento. O mecanismo,
no entanto, preza pela manutenção da floresta em pé, pautando-se na perspectiva
de que apenas através da diminuição do desmatamento como um todo e da compreensão
da preservação ambiental como commodities não visíveis, mas reais, se poderá
alcançar o verdadeiro desenvolvimento sustentável.
Apesar de possuir aspectos importantes
para os debates sobre o desenvolvimento sustentável da região, as diretrizes do
REDD não se adequam totalmente à realidade da região Amazônica, onde uma
parcela significativa da população depende exclusivamente da utilização da
floresta para sobreviver. Como se trata de um mecanismo internacional, é
compreensível que o mesmo não tenha sido criado levando-se em consideração
única e exclusivamente o bioma amazônico, mas, ao colocá-lo como um dos
condicionantes mínimos para a aprovação dos projetos, o Fundo Amazônia impõe um
modelo criado internacionalmente a uma população cuja realidade muitas vezes
não o comporta.
Sob o prisma da teoria pós-moderna das
relações internacionais, compreende-se que as relações de poder se dão entre o
detentor do conhecimento e aquele que não o possui, de maneira que o detentor
se utiliza do conhecimento para criar e/ou manter uma estrutura de dominação na
qual o mesmo exerce o poder. Compreende-se também que toda verdade científica
está invariavelmente associada a uma estrutura de poder, estabelecendo normas,
regras de comportamento que são impostas aos agentes dominados. Neste sentido,
não só o REDD, mas o Fundo Amazônia em si acabam por colaborar para a
perpetuação das relações de poder na região. Da imposição de um modo de pensar
e de agir, pautado em um conceito criado internacionalmente, que não se adequa
completamente às necessidades da população.
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