sábado, 2 de novembro de 2013

Espionagem norte-americana na Europa: Quando a teia se embraça

Caio Rebelo
Acadêmico do 6º semestre.
  


O recente caso da espionagem americana a países e governantes considerados como parceiros de longa data, que por si só já tem seu próprio grau de complexidade, tornou-se ainda mais polêmico quando veio a público um conjunto de documentos que apontavam que os telefones de chefes de Estado como o da atual primeira-ministra alemã Ângela Merkel, e mesmo do atual Papa, também se encontravam grampeados pela inteligência americana em uma clara violação aos direitos civis e de privacidade.
Muito embora o porta-voz da Santa Sé Federico Lombardi tenha minimizado o fato e lhe atribuído pouca relevância, diversos países europeus se manifestaram juntamente com a Alemanha, entre eles França, Espanha e Itália, em extrema desaprovação ao ocorrido, bem como denunciando situações semelhantes.
Recentemente os jornais El País (Espanha) e Le Monde (França), divulgaram que –
segundo relatórios vazados pelo ex-consultor da NSA Edward Snowden – pelo menos 70 milhões de ligações de cidadãos franceses e 60 milhões dos cidadãos espanhóis foram interceptadas e arquivadas pelas agências de inteligência norte-americanas.
Além de convocar os embaixadores norte-americanos acreditados em seus respectivos países para responderem perante comissões ministeriais, os governos europeus se reuniram na última semana em Bruxelas para coordenar seu posicionamento diante do caso, que incluiu o envio de uma delegação europeia a Washington para discutir o ocorrido, bem como articular uma proposta de resolução a ser levada à Assembleia Geral. A proposta, que inclusive conta com o apoio do Brasil, prevê a ampliação e atualização do Pacto Internacional para as Atividades na Internet, em vigor desde 1976, época em que internet e as telecomunicações não tinham uma fração do alcance e sofisticação atuais.
Diante das acusações de espionagem por parte da União Europeia, o Secretário de
Estado Americano John Kerry afirmou em um discurso oficial que o programa de inteligência norte-americano “poderia ter ido longe demais” ao espionar nações aliadas, apesar de ratificar a importância do trabalho dos serviços de inteligência como ferramentas no combate ao terrorismo. Em linhas gerais, apesar de se comprometer a levar a cabo uma revisão da forma como o programa de espionagem opera, o governo de Obama ainda se mostra esquivo nessa questão, mantendo-se vago quanto à possíveis mudanças, a exceção da possibilidade de declarar ilegais as escutas a líderes amigos, porém nada é totalmente confirmado.
A trama sofreu outra reviravolta quando tanto o Wall Street Journal quanto a revista Foreign Affairs divulgaram que, segundo fontes dentro das agências americanas de inteligência, a informação coletada pela espionagem americana teria sua origem em seus pares europeus, uma conexão que mesmo o Snowden ratificou em entrevista a uma rede de notícias russa, bem como a notícia de que os próprios governos europeus utilizavam suas respectivas embaixadas em solo americano como meio de articular seus próprios projetos de espionagem. Os governos europeus, muito embora tenham de fato convocado seus respectivos serviços de inteligência para reuniões a fim de apurar a questão, adiantaram-se em desmentir qualquer conivência com o programa de espionagem americana no que tange a vigilância dos funcionários do governo e de seus próprios cidadãos, bem como qualquer tipo de tentativa de espionar os Estados Unidos.
      Diante do panorama desenhado pelos atuais eventos, não será estranho se a ideia de um novo marco regulatório internacional para a atuação das agências de inteligência despontar em futuras reuniões das Nações Unidas ou qualquer outra organização nos anos (ou mesmo meses) que virão. Por outro lado, um país com a influência e interesses da mesma dimensão que os Estados Unidos não pode – e claramente não irá – abrir mão de seus serviços de inteligência, seja para a obtenção de informações úteis para guiar futuras políticas, seja no combate ao terrorismo; entretanto, é imperativo que os mesmos sejam repensados, que a sua autonomia em relação ao governo e a outros órgãos sejam reavaliadas.
Dessa forma, manter a política atual de espionagem só irá contribuir para prejudicar as relações diplomáticas norte-americanas com os demais países (particularmente seus principais aliados), fato que, em um contexto onde conceitos como interdependência e governança globais são palavras-chave para a manutenção do status norte-americano de potência global, os Estados Unidos simplesmente não podem se dar ao luxo.




Referências Bibliográficas:


Nenhum comentário:

Postar um comentário