Caio Rebelo
Acadêmico do 6º semestre.
O
recente caso da espionagem americana a países e governantes considerados como
parceiros de longa data, que por si só já tem seu próprio grau de complexidade,
tornou-se ainda mais polêmico quando veio a público um conjunto de documentos
que apontavam que os telefones de chefes de Estado como o da atual
primeira-ministra alemã Ângela Merkel, e mesmo do atual Papa, também se
encontravam grampeados pela inteligência americana em uma clara violação aos
direitos civis e de privacidade.
Muito
embora o porta-voz da Santa Sé Federico Lombardi tenha minimizado o fato e lhe
atribuído pouca relevância, diversos países europeus se manifestaram juntamente
com a Alemanha, entre eles França, Espanha e Itália, em extrema desaprovação ao
ocorrido, bem como denunciando situações semelhantes.
Recentemente
os jornais El País (Espanha) e Le Monde (França), divulgaram que –
segundo
relatórios vazados pelo ex-consultor da NSA Edward Snowden – pelo menos 70
milhões de ligações de cidadãos franceses e 60 milhões dos cidadãos espanhóis
foram interceptadas e arquivadas pelas agências de inteligência
norte-americanas.
Além
de convocar os embaixadores norte-americanos acreditados em seus respectivos
países para responderem perante comissões ministeriais, os governos europeus se
reuniram na última semana em Bruxelas para coordenar seu posicionamento diante
do caso, que incluiu o envio de uma delegação europeia a Washington para
discutir o ocorrido, bem como articular uma proposta de resolução a ser levada
à Assembleia Geral. A proposta, que inclusive conta com o apoio do Brasil,
prevê a ampliação e atualização do Pacto Internacional para as Atividades na
Internet, em vigor desde 1976, época em que internet e as telecomunicações não
tinham uma fração do alcance e sofisticação atuais.
Diante
das acusações de espionagem por parte da União Europeia, o Secretário de
Estado
Americano John Kerry afirmou em um discurso oficial que o programa de
inteligência norte-americano “poderia ter ido longe demais” ao espionar nações
aliadas, apesar de ratificar a importância do trabalho dos serviços de
inteligência como ferramentas no combate ao terrorismo. Em linhas gerais,
apesar de se comprometer a levar a cabo uma revisão da forma como o programa de
espionagem opera, o governo de Obama ainda se mostra esquivo nessa questão,
mantendo-se vago quanto à possíveis mudanças, a exceção da possibilidade de
declarar ilegais as escutas a líderes amigos, porém nada é totalmente
confirmado.
A
trama sofreu outra reviravolta quando tanto o Wall Street Journal quanto a revista Foreign Affairs divulgaram que, segundo fontes dentro das agências
americanas de inteligência, a informação coletada pela espionagem americana
teria sua origem em seus pares europeus, uma conexão que mesmo o Snowden
ratificou em entrevista a uma rede de notícias russa, bem como a notícia de que
os próprios governos europeus utilizavam suas respectivas embaixadas em solo
americano como meio de articular seus próprios projetos de espionagem. Os
governos europeus, muito embora tenham de fato convocado seus respectivos
serviços de inteligência para reuniões a fim de apurar a questão, adiantaram-se
em desmentir qualquer conivência com o programa de espionagem americana no que
tange a vigilância dos funcionários do governo e de seus próprios cidadãos, bem
como qualquer tipo de tentativa de espionar os Estados Unidos.
Diante
do panorama desenhado pelos atuais eventos, não será estranho se a ideia de um
novo marco regulatório internacional para a atuação das agências de
inteligência despontar em futuras reuniões das Nações Unidas ou qualquer outra
organização nos anos (ou mesmo meses) que virão. Por outro lado, um país com a
influência e interesses da mesma dimensão que os Estados Unidos não pode – e
claramente não irá – abrir mão de seus serviços de inteligência, seja para a
obtenção de informações úteis para guiar futuras políticas, seja no combate ao
terrorismo; entretanto, é imperativo que os mesmos sejam repensados, que a sua
autonomia em relação ao governo e a outros órgãos sejam reavaliadas.
Dessa
forma, manter a política atual de espionagem só irá contribuir para prejudicar
as relações diplomáticas norte-americanas com os demais países (particularmente
seus principais aliados), fato que, em um contexto onde conceitos como
interdependência e governança globais são palavras-chave para a manutenção do
status norte-americano de potência global, os Estados Unidos simplesmente não
podem se dar ao luxo.
Referências Bibliográficas:
Nenhum comentário:
Postar um comentário