Brenda
de Castro,
Internacionalista
pela Universidade da Amazônia e Mestranda em Ciência Política pela UFPA.
A
morte de Nelson Mandela na quinta-feira (5) fez reacender o reconhecimento pela
sua inegável contribuição na luta pela igualdade racial, direitos civis,
humanos e, consequentemente, pela paz. Mandela superou as barreiras da
desigualdade racial e sua morte foi lamentada e sua vida relembrada pelo seu
povo, seu país, negros, brancos, ocidentais, orientais, cristãos, ateus, todos
nós.
O
reconhecimento das conquistas de Mandela para a humanidade quase dos deixa
esquecer o seu passado, ou melhor, nosso
passado e como o mundo que agora chora sua morte e reverencia este grande líder
sul-africano o enxergara outrora.
No
início de sua jornada na década de 1940, o jovem Mandela se definia como um
“nacionalista africano” e defendia a presença de somente negros no Congresso
Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), movimento o qual buscava defender
os direitos de negros e que ele aderira.
Já
na década de 50 ele amplia sua postura africanista para um enfoque
multirracial. Ainda que a ANC possuísse como princípio a não violência, a
repressão do regime do Apartheid fez com que a organização visse a necessidade
de responder a brutalidade do regime e foi na década de 1960 que Nelson Mandela
assumiu a liderança do Umkhonto weSizwe (MK), que viria a ser um braço armado
do movimento.
Foi
nesse período que os membros da ANC e Nelson Mandela foram considerados
terroristas pelos Estados Unidos e como tal permaneceram oficialmente até a sua
retirada da lista em 2008.
Poster distribuído na década de 1980 pela Federação de Estudantes Conservadores (FCS) na Inglaterra com os dizeres: "Enforquem Nelson Mandela e todos os terroristas da ANC: eles são matadores". |
O
contexto histórico nos remonta à Guerra Fria e um período em que a aliança
estadunidense com as autoridades sul-africanas significava uma estratégia
contra a ameaça comunista.
Sabe-se
que após ter sido preso em 1962 e passar 27 anos atrás das grades as
estratégias de Mandela para alcançar seu objetivo mudaram: foi por meio da
diplomática e secreta negociação com o regime que ele conquistou a igualdade
racial e auxiliou na transição da sociedade sul-africana.
Contudo,
a história de um dos maiores líderes pacifistas do mundo no faz refletir sobre
alguns conceitos e suas implicações para as relações internacionais
contemporâneas como Terrorismo e os Freedom
Fighters.
Em
seu renomado trabalho “Is One Man’s Terrorist Another Man’s Freedom Fighter”,
Boaz Ganor reflete acerca das definições de terrorismo e suas confusões com
violência revolucionária, libertação nacional e outros movimentos.
Ele
destaca, por exemplo, a tentativa de diferenciação realizada na Conferência
Islâmica em 1987 que ressalta a importância de diferenciar “atividades
terroristas brutais e ilegais perpetradas por indivíduos, grupos ou Estados da
luta legítima dos povos oprimidos e subjugados contra a ocupação estrangeira de
qualquer tipo”.
Já
Benyamin Netanyahu em seu livro Terrorism:
How The West Can Win defende que nenhuma violência é justificável e
relaciona diretamente as práticas de carro-bomba entre outras com a prática
terrorista, além de afirmar que freedom
fighters jamais praticariam qualquer ato terrorista. De modo que, para ele,
os dois conceitos são totalmente incompatíveis e contraditórios. Ganor
discorda.
Para
ele, os dois conceitos podem estar sim relacionados. Ele propõe uma definição
de terrorismo pautada em três elementos: a essência da atividade com uso da
violência, o objetivo político do ato e, por fim, os alvos dos atos serem
civis. Para Ganor, a motivação em si é o mínimo.
Contudo,
no caso de Mandela, os fins acabaram por justificar os meios, ou pelo menos
justificaram o esquecimento destes atos. O braço armado na ANC efetuou ataques
como à Church Street em 1983 resultando na morte de 19 pessoas e 217 feridos,
incluindo civis. Dentre outros alvos, houve ataques a um bar em 1986, em cortes
em 1987 e bancos. A prática do carro-bomba acabou por resultar na morte de
civis também.
É
perceptível que a MK se enquadra no conceito de terrorismo de Ganor, contudo,
no fim, a motivação e o seu desenrolar acabou por diminuir estes casos.
A
questão civil pode ser vista como alvo ou como vítimas do acaso? Nos casos de freedom fighters, é comum não haver uma
equiparação bélica a níveis do Estado. A inferioridade numérica e tecnológica
acaba por dar mais efetividade em ataques indiretos que muitas vezes acaba por
envolver civis entre vítimas. Assim como, ao intervir em algum país que sofre
de uma ditadura e se usa bombardeios, civis serão vítimas inerentes.
O
conceito por si só talvez não permitisse uma reflexão a cerca destes dois
termos, mas o caso de Nelson Mandela e a ANC, assim como seu braço armado, que
já justificou o uso da violência apesar dos princípios pacíficos da organização
como resposta à repressão do regime do apartheid nos faz repensar muitos casos
atualmente midiaticamente simplificados em terroristas. Assim como Ganor, a
motivação seria o de menos para estas rotulações.
Se
o poder midiático tivesse o mesmo alcance mundial e de criação de rótulos que
dos tempos atuais, talvez Mandela jamais tivesse sido reconhecido como um
pacifista. Cada caso é um caso e merece uma análise profunda. A questão que
buscou ser tratada aqui é justamente da relatividade com que o termo foi
aplicado e retirado a Nelson Mandela e à ANC.
O
contexto da Guerra Fria fez com que o medo à ameaça comunista se sobrepusesse
aos direitos humanos e civis durante o apartheid. Quais causas estão sendo
atualmente suprimidas por interesses nacionais, econômicos e políticos? Amanhã
serão nossos algozes ou nossos heróis?
REFERÊNCIAS
GANOR,
Boaz. Is
One Man’s Terrorist Another Man’s Freedom Fighter? Disponível em: http://www.ict.org.il/ResearchPublications/tabid/64/Articlsid/432/Default.aspx
NELSON MANDELA FOUNDATION. Life
& Times of Nelson Mandela. Disponível em: www.nelsonmandela.org
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