quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

De Terrorista a Freedom Fighter: Mandela e uma reflexão conceitual nas Relações Internacionais.



Brenda de Castro,
Internacionalista pela Universidade da Amazônia e Mestranda em Ciência Política pela UFPA.


A morte de Nelson Mandela na quinta-feira (5) fez reacender o reconhecimento pela sua inegável contribuição na luta pela igualdade racial, direitos civis, humanos e, consequentemente, pela paz. Mandela superou as barreiras da desigualdade racial e sua morte foi lamentada e sua vida relembrada pelo seu povo, seu país, negros, brancos, ocidentais, orientais, cristãos, ateus, todos nós.
O reconhecimento das conquistas de Mandela para a humanidade quase dos deixa esquecer o seu passado, ou melhor, nosso passado e como o mundo que agora chora sua morte e reverencia este grande líder sul-africano o enxergara outrora.
No início de sua jornada na década de 1940, o jovem Mandela se definia como um “nacionalista africano” e defendia a presença de somente negros no Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), movimento o qual buscava defender os direitos de negros e que ele aderira.
Já na década de 50 ele amplia sua postura africanista para um enfoque multirracial. Ainda que a ANC possuísse como princípio a não violência, a repressão do regime do Apartheid fez com que a organização visse a necessidade de responder a brutalidade do regime e foi na década de 1960 que Nelson Mandela assumiu a liderança do Umkhonto weSizwe (MK), que viria a ser um braço armado do movimento.
Foi nesse período que os membros da ANC e Nelson Mandela foram considerados terroristas pelos Estados Unidos e como tal permaneceram oficialmente até a sua retirada da lista em 2008.
Poster distribuído na década de 1980 pela Federação de Estudantes Conservadores (FCS) na Inglaterra com os dizeres: "Enforquem Nelson Mandela e todos os terroristas da ANC: eles são matadores".
O contexto histórico nos remonta à Guerra Fria e um período em que a aliança estadunidense com as autoridades sul-africanas significava uma estratégia contra a ameaça comunista.
Sabe-se que após ter sido preso em 1962 e passar 27 anos atrás das grades as estratégias de Mandela para alcançar seu objetivo mudaram: foi por meio da diplomática e secreta negociação com o regime que ele conquistou a igualdade racial e auxiliou na transição da sociedade sul-africana.
Contudo, a história de um dos maiores líderes pacifistas do mundo no faz refletir sobre alguns conceitos e suas implicações para as relações internacionais contemporâneas como Terrorismo e os Freedom Fighters.
Em seu renomado trabalho “Is One Man’s Terrorist Another Man’s Freedom Fighter”, Boaz Ganor reflete acerca das definições de terrorismo e suas confusões com violência revolucionária, libertação nacional e outros movimentos.
Ele destaca, por exemplo, a tentativa de diferenciação realizada na Conferência Islâmica em 1987 que ressalta a importância de diferenciar “atividades terroristas brutais e ilegais perpetradas por indivíduos, grupos ou Estados da luta legítima dos povos oprimidos e subjugados contra a ocupação estrangeira de qualquer tipo”.
Já Benyamin Netanyahu em seu livro Terrorism: How The West Can Win defende que nenhuma violência é justificável e relaciona diretamente as práticas de carro-bomba entre outras com a prática terrorista, além de afirmar que freedom fighters jamais praticariam qualquer ato terrorista. De modo que, para ele, os dois conceitos são totalmente incompatíveis e contraditórios. Ganor discorda.
Para ele, os dois conceitos podem estar sim relacionados. Ele propõe uma definição de terrorismo pautada em três elementos: a essência da atividade com uso da violência, o objetivo político do ato e, por fim, os alvos dos atos serem civis. Para Ganor, a motivação em si é o mínimo.
Contudo, no caso de Mandela, os fins acabaram por justificar os meios, ou pelo menos justificaram o esquecimento destes atos. O braço armado na ANC efetuou ataques como à Church Street em 1983 resultando na morte de 19 pessoas e 217 feridos, incluindo civis. Dentre outros alvos, houve ataques a um bar em 1986, em cortes em 1987 e bancos. A prática do carro-bomba acabou por resultar na morte de civis também.
É perceptível que a MK se enquadra no conceito de terrorismo de Ganor, contudo, no fim, a motivação e o seu desenrolar acabou por diminuir estes casos.
A questão civil pode ser vista como alvo ou como vítimas do acaso? Nos casos de freedom fighters, é comum não haver uma equiparação bélica a níveis do Estado. A inferioridade numérica e tecnológica acaba por dar mais efetividade em ataques indiretos que muitas vezes acaba por envolver civis entre vítimas. Assim como, ao intervir em algum país que sofre de uma ditadura e se usa bombardeios, civis serão vítimas inerentes.
O conceito por si só talvez não permitisse uma reflexão a cerca destes dois termos, mas o caso de Nelson Mandela e a ANC, assim como seu braço armado, que já justificou o uso da violência apesar dos princípios pacíficos da organização como resposta à repressão do regime do apartheid nos faz repensar muitos casos atualmente midiaticamente simplificados em terroristas. Assim como Ganor, a motivação seria o de menos para estas rotulações.
Se o poder midiático tivesse o mesmo alcance mundial e de criação de rótulos que dos tempos atuais, talvez Mandela jamais tivesse sido reconhecido como um pacifista. Cada caso é um caso e merece uma análise profunda. A questão que buscou ser tratada aqui é justamente da relatividade com que o termo foi aplicado e retirado a Nelson Mandela e à ANC.

O contexto da Guerra Fria fez com que o medo à ameaça comunista se sobrepusesse aos direitos humanos e civis durante o apartheid. Quais causas estão sendo atualmente suprimidas por interesses nacionais, econômicos e políticos? Amanhã serão nossos algozes ou nossos heróis?



REFERÊNCIAS
GANOR, Boaz. Is One Man’s Terrorist Another Man’s Freedom Fighter? Disponível em: http://www.ict.org.il/ResearchPublications/tabid/64/Articlsid/432/Default.aspx
NELSON MANDELA FOUNDATION. Life & Times of Nelson Mandela. Disponível em: www.nelsonmandela.org

Nenhum comentário:

Postar um comentário