Brenda de Castro
Internacionalista pela Universidade da Amazônia
Mestranda em Ciência Política pela UFPA
(Retirada da estrela soviética do mastro do parlamento ucraniano) |
Para
quem não é muito familiarizado com a história da Ucrânia a retirada das
estátuas de Lênin em algumas cidades pode estar parecendo obra da ultradireita
neonazista como muitos analistas têm pregado. É uma afirmação um tanto quanto
extremista e reducionista da política no país, pois ainda que não se possa
negar a existência destas vertentes (como há em muitos outros países) o
simbolismo da derrubada das estátuas que representam os séculos de dominação e
influência russa, é totalmente compreensível.
Do mesmo modo que o Partido Liberdade de extrema-direita
tem tentado se aproveitar da situação, outros também o tem feito e, com tamanha
proporcionalidade, a população tem se manifestado contra tais investidas. Então,
para quê reduzir a uma questão ideológica radical este ato que tanto pode
servir de base para compreender as relações históricas entre Rússia e Ucrânia?
Para tentar desvencilhar um pouco mais esta ideia
reducionista, vamos supor o seguinte cenário: o Brasil, possui uma origem comum
à Argentina, contudo, durante séculos, o destino do Brasil ficou nas mãos do
vizinho por invasões e, como se não fosse suficiente, quando a Argentina
promove a sua revolução, o Brasil que sonhava com sua liberdade, viu-se novamente
subordinado aos ideários que não condiziam com os da sua população. Imaginemos
agora que depois de 80 anos em uma unificação territorial forçada, período no
qual a língua oficial era o espanhol e não o português, o Brasil finalmente se
vê independente.
Só que nas décadas que se seguem o país continua
extremamente dependente à Argentina, com a cooperação internacional limitada a
alguns países e vez ou outra entrando em crise com o vizinho. Enfim,
deflagra-se toda a crise contra a influência Argentina. Será que só os
neonazistas derrubariam as estátuas de, digamos, Perón pelas cidades
brasileiras?
Crédito: Ivan Sekretarev |
Mesmo com a melhor das intenções, propagar que o
movimento anti-Rússia é uma manobra neonazista de certo modo deslegitima a
manifestação e incita medo na comunidade internacional e nos países vizinhos.
Não seria essa também uma manobra?
Restringir a derrubada das estátuas com esta ideologia
não apenas deslegitima as manifestações como nega também todos os movimentos de
resistência na história ucraniana.
Quando da Revolução Russa,
por exemplo, a Ucrânia possuiu movimentos próprios de independência,
simbolizados no anarquista Nestor Makhno, de quem são as seguintes palavras:
“O povo ucraniano, tendo herdado a tradição
da liberdade que havia sido conservada desde o passado longínquo, soube
conservar esta liberdade através de séculos de escravidão e exprimiu agora, de
modo inesperado, as forças que retinha nele mesmo: ousadia, coragem, temeridade
e espírito de revolta. (...) Em seguida, ele revelou sua verdadeira face ao se
transformar em Revolução Social Ucraniana.”
A passagem acima poderia ser sobre as manifestações deste
século, mas dizem respeito à resistência ucraniana ao domínio bolchevique e dos
ideais destorcidos da revolução. Ainda assim, o país foi derrotado e anexado à
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Mesmo durante o período soviético a população resistiu a
aderir a políticas como a coletivização da agricultura – considerando que a
Ucrânia era tida como o “celeiro” por conta de suas terras férteis – e teve
como represália a confiscação da produção e deportação forçada para lugares
inóspitos onde vieram a falecer entre 3 e 7 milhões de ucranianos no evento que
ficou conhecido como Holodomor, a Grande Fome.
Com o fim da URSS, a Ucrânia finalmente conquista sua
independência, mas o caminho para sua liberdade de facto ainda é tortuoso. Em meados de 2004 e 2005, por exemplo,
suspeitas de fraude na eleição presidencial levaram milhares de ucranianos às
ruas no que se tornou a Revolução Laranja, levando a uma nova eleição com
aprovação de observadores internos e externos que mudaram o resultado de Viktor
Yanukovych (o então presidente da recente crise) para o seu opositor Viktor
Yushchenko que não conseguiu reeleição em 2010, sendo eleito Yanukovych.
Crédito: Genya Savilov |
Os próprios protestos apesar de
terem tido seu estopim no afastamento das relações com a União Europeia
representam a busca da liberdade e independência, não estar mais aprisionado na
esfera russa vinte anos depois do fim da Guerra Fria.
Do pobachennya, Lenin. Em bom ucraniano.
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