Adriano Bastos Rosas
Acadêmico do 7° semestre de Relações Internacionais
UNAMA
Observar e analisar as Relações Internacionais somente a
partir do debate central entre o conjunto teórico dos paradigmas realistas em
contraste aos postulados liberais representa um desserviço ao rico corpo
teórico que buscou abordagens diferenciadas daquelas com interesse unívoco e centralizador
das forças estatais. É a partir desta ideia que Silva (2005) se propõe a
discutir as influências do pensamento marxista nas Relações Internacionais. Um
internacionalista conhecedor do padrão monista das teorias tradicionais veria
surgir a seguinte pergunta: teriam os argumentos tradicionais alguma
aplicabilidade no entendimento marxista? Poderiam conceitos de Estado, nação,
sistema de Estados serem combinados ao arcabouço marxista?
Os questionamentos acima surgem principalmente pelo fato
de que nas obras de Marx e Engels não há clara referência aos interesses
políticos como fonte de poder primário e de movimentação das forças sociais. De
fato, Silva (2005), Sarfati (2005) e Vigevani et al. (2011) reconhecem que, para o marxismo daquele período (século
XIX), à luz do pensamento de Marx, todas as relações estavam subordinadas à
estrutura econômica e ao conflito de classes por ela estabelecidos.
Vigevaniet al. (2011) são particularmente
incisivos ao afirmar que é justamente o foco na análise economicista,
divergências de classes e de dominação – mesmo que em um sentido limitado - a
partir do materialismo histórico dialético, que tem permitido aos
internacionalistas desenvolverem um olhar diferenciado, atento aos interesses
de outros atores internacionais que não os poderosos Estados nacionais. Sarfati
(2005) nos recorda que o internacionalismo desenvolvido por Marx como a
percepção de uma condição de exploração dos operários a qual ultrapassa as
barreiras estatais pode ser compreendida com elo significativo entre sua teoria
e o campo das RI.
Para compreendermos o espaço ocupado pelo marxismo nas
Relações Internacionais, de forma didática, podemos ainda dividi-lo em duas
modalidades: a tradicional (advinda do pensamento de Marx) e a crítica (baseada
inicialmente nos pensamentos de Marx, contudo, abrangendo o campo de análise
social). A primeira faz referência à produção realizada principalmente durante das
décadas de 1960 e 1970, contexto no qual a abertura dos campos de discussões
para o meio civil permitiram que uma grande explosão de teorias viesse a
ocorrer. Já a modalidade crítica faz referência ao período a partir da década
de 1980, com influências do pós-positivismo e do pós-estruturalismo.
Sendo a primeira modalidade o foco deste texto, cabe
elucidar que a abordagem tradicional diz respeito, em linhas gerais, à uma
transposição da dogmática marxista do conflito de classes “doméstico”para as relações
entre as Sociedades do Sistema Internacional.Desse modo, os autores que adotam
esta linha tomam a estrutura do sistema capitalista e as dinâmicas por ela
impostas como ferramentas basilares de análise das relações internacionais.
Merecem destaque, dentro da modalidade tradicional duas grandes teorias, a do
“Sistema-Mundo”, desenvolvida pelo americano Immanuel Wallerstein
e a Teoria da Dependência, desenvolvida por autores latino-americanos, como o
ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso.
Vigevani et al.
(2011) observam que, ainda que partilhem a identificação das relações
internacionais – e do consequente posicionamento das sociedades no sistema – a
partir do direcionamento dos fluxos de bens com baixo valor agregado para
aqueles que os transformarão em bens de alto valor agregado, as divergências
entre as teorias são importantes. Para Wallerstein, as mudanças que porventura
venham a ocorrer no sistema podem muito bem inverter a situação dos países, ou
seja, aqueles que em um momento se encontravam como subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento podem um dia ocupar a posição de desenvolvidos e vice – versa.
Quanto
à teoria Dependentista, há um maior enrijecimento das posições dos países
porque as sociedades dominantes se utilizam do sistema econômico, de práticas
discursivas de “possível ascensão” e de seu poderio militar para assegurar a
permanência da relação de dependência que as sociedades subdesenvolvidas se
encontram em sua lógica de exportação barata, produção e consumo de bens com
alto valor agregado dos primeiros.
As influências da
teoria da Dependência no pensamento político e nas políticas econômicas do Cone
Sul se tem feito mais aparentes nas últimas décadas, seja por meio de discursos
de identidade regional em oposição ao capitalismo das grandes potências, como
tem demonstrado o governo venezuelano desde a década de 1990, quanto como uma
fusão entre uma forma mais “branda” de oposição que busca na aplicação de
propostas defendidas no Consenso de Washington, em 1989, uma forma de ascender
economicamente a partir da identificação de potencialidades regionais, do
tratamento cordial para com os vizinhos e o desenvolvimento de uma agenda
internacional latino-americana. Este segundo modelo, desenvolvido no Brasil veio
no início do século XXI a sofrer uma mutação, a qual Pecequilo (2008) viria a
chamar durante os governos Lula e Dilmade “política externa em eixos
combinados”, a qual prioriza as relações horizontais (com sociedades em
desenvolvimento) sobre as relações verticais; numa dinâmica que ecoa o velho
brado de “trabalhadores do mundo, uni-vos!”.
Hodiernamente, esses dois modelos influenciados pela
teoria da Dependênciatem convivido em maior harmonia, ainda mais depois da
polêmica entrada da Venezuela no Mercosul. Se esta decisão implicará em uma
aceleração do processo de desenvolvimento dos envolvidos – pouco provável – ou
numa sabotagem ao modelo democrático brasileiro vigente, ou ainda outro cenário
ainda nebuloso. Cabe aos internacionalistas reconhecer e considerar em suas
predições a força política que esse paradigma teórico ainda hoje exerce sobre o
cenário da região.
Notas:
Referências:
PECEQUILO,
Cristina Soreanu. A política externa do Brasil no século XXI: os eixos combinados
de cooperação horizontal e vertical. Rev. bras. polít. int.,
Brasília , v. 51, n. 2, dezembro de 2008.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292008000200009&lng=en&nrm=iso”.
Acessoem 10 de junho de 2014.
SARFATI,
Gilberto. Teorias das Relações
Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
SILVA,
Marco Antonio de Menezes. A Teoria Crítica em Relações Internacionais. CONTEXTO INTERNACIONAL. Rio de Janeiro,
vol. 27, nº 2, julho/dezembro, 2005, pp.249 - 282.
VIGEVANI,
Tullo et al. A contribuição marxista para o estudo das relações internacionais.
Lua Nova, São Paulo, nº 83, 2011. Disponível
em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452011000200005&lng=en&nrm=iso.
Acessoem13 deJunho de 2014.