Kellimeire
Campos
Acadêmica
do 8º semestre de Relações Internacionais da Unama
“Devemos lutar para
preservar o melhor de cada cultura e deixar para trás o que não é bom.
Não há nenhuma razão
religiosa, de saúde ou de desenvolvimento para mutilar ou cortar qualquer menina
ou mulher. Embora alguns argumentem que é uma ‘tradição’, devemos lembrar que a
escravidão, as mortes por honra e outras práticas desumanas foram defendidas
com o mesmo argumento”.
Ban Ki-moon,
Secretário-geral da ONU.
No dia 20 de dezembro de
2012 foi aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
a resolução que instituiu o dia 6 de fevereiro, como o dia internacional da
tolerância zero à mutilação genital feminina.
De acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS), a mutilação genital feminina (FGM, sigla em inglês) compreende
todos os procedimentos que envolvam a remoção parcial ou total dos órgãos
genitais externos ou quaisquer danos infligidos aos órgãos genitais femininos
por motivos não médicos, sendo uma violação dos direitos humanos.
A OMS estima que a FGM teve
sua origem na antiga civilização egípcia, e que mais de 125 milhões de meninas
e mulheres tenham sido mutiladas em 29 países na África e no Oriente Médio, que
é onde se tem dados disponíveis.
A faixa etária em que quase
sempre é feita a FGM varia entre os 0 a 15 anos, mas mulheres adultas e casadas
também estão sujeitas à prática. Existem várias motivações culturais e
religiosas[1] para que esta prática continue
sendo realizada em algumas sociedades. A exemplo disso, existe a crença de que
essa assegura e preserva a virgindade de meninas e mulheres, assegura a
fidelidade conjugal, e está relacionada com a imagem de mulheres “limpas” e
belas.
As consequências da FGM são
físicas e psicológicas, se iniciam no exato momento em que é feita a mutilação
e segue pelo resto da vida dessas meninas e mulheres.
Os efeitos imediatos costumam
ser as infecções e as hemorragias, que tem seu nível de gravidade aumentando de
acordo com extensão da intervenção, que colocam em risco a vida destas pessoas.
As sequelas também podem ser a infertilidade, problemas durante o parto, e como
em quase todos os casos, fortes dores durante o ato sexual.
As sequelas psicológicas
resultam da perpetuação de uma cultura de opressão das mulheres em todos os
seguimentos de sua vida, inclusive na sua intimidade, e são ainda mais variadas
que as físicas.
Após explicar, ainda que de
modo simples, um problema que possui muitos detalhes e que provocam impactos
intensos em vidas humanas, este texto propõe iniciar uma reflexão (que quase
sempre beira o questionamento do universalismo dos direitos humanos e o entrave
da soberania dos Estados), através de uma breve analise que será feita
utilizando como ferramenta a teoria pós-moderna.
Para esta teoria, os
conceitos de Poder e Estado não possuem o mesmo tratamento dado pelas teorias
positivistas das Relações Internacionais (RI). O poder não é algo que é
passível de posse, o poder se exerce e só existe em ação, sendo uma relação de
força.
Neste contexto, o Estado não
é o centro irradiador de poder, mas uma de suas diferentes manifestações. Para
Foucault, “o Estado nada mais é do que um efeito”, logo não é um objeto
previamente dado, mas o resultado de contingências que o antecederam.
O Estado como conhecemos hoje passou por um
longo processo de governamentalização, cujo domínio deixou de ser a territorialidade,
e tornou-se a população. Assim este tipo de governo é exercido através da
interseção do legislativo, com as práticas disciplinares e os mecanismos de
segurança.
No que tange a FGM ocorre um
processo de objetificação entre as pessoas das comunidades que praticam a
mutilação, no qual as mulheres se tornam objetos que, ao não seguirem os
padrões aplicados, não são aptas a participarem de convenções sociais entre
aqueles sujeitos.
Fica evidenciado também a
relação de poder entre diferentes agentes internacionais. A FGM tornou-se
atenção mundial através da história da modelo somali, Waris Dirie, que foi
mutilada ainda criança, com treze anos fugiu de seu casamento arranjado e
trabalhou durante anos em Londres, até que foi descoberta por um fotógrafo e,
assim, iniciou sua carreira internacional.
Dirie falou sobre sua
experiência traumática em uma entrevista, e após isso, contou sua história em
seu livro “Desert Flower” (que foi adaptado para filme), iniciando sua luta
contra a prática da FGM. Ela foi nomeada embaixadora especial da ONU sobre os
direitos das mulheres na África e criou a ONG Desert Flower que luta para
extinção da FMG.
Em relação aos Estados eles
também utilizam de seu poder disciplinar para eliminar esta prática. Foi o que
aconteceu na Etiópia, onde um grupo de pessoas foram julgadas e penalizadas por
terem praticado a FMG. E países como a Uganda, o Quênia e Guiné-Bissau também criaram
leis com a finalidade de terminar com esta prática.
A FMG está passando a ser
uma grave violação dos direitos de meninas e mulheres, para quem olha de dentro
das comunidades que a praticam. Apesar disso, no ano passado a ONU declarou que
se os números de casos continuassem como estavam, cerca de 86 milhões de
meninas em todo o mundo ainda estariam sujeitas a sofrer a prática até 2030.
REFERÊNCIAS
Eliminação da mutilação
genital feminina -
Declaração Conjunta: OHCHR, ONUSIDA, PNUD, UNECA, UNESCO, UNFPA, ACNUR, UNICEF,
UNIFEM, OMS. Disponível em: http://www.apf.pt/cms/files/conteudos/file/Livraria%20virtual/Eliminacao%20da%20MGF.pdf
‘Preserve o melhor da cultura e deixe para
trás o que não é bom’, diz secretário-geral da ONU sobre mutilação genital
feminina. Disponível em: http://unicrio.org.br/preserve-o-melhor-da-cultura-e-deixe-para-tras-o-que-nao-e-bom-diz-secretario-geral-da-onu-sobre-mutilacao-genital-feminina/
[1] Sobre as motivações religiosas a OMS
e a UNFPA (United Nations Population Fund) elucidam que a FGM ocorre entre
cristãos, judeus e muçulmanos, mas que nenhum de seus textos sagrados prescrevem
essa prática.
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