quarta-feira, 16 de julho de 2014

Influências Marxistas no espaço sul-americano atual: um campo fértil para o desenvolvimento teórico contra-hegemônico

Adriano Bastos Rosas
Acadêmico do 7°   semestre de Relações Internacionais UNAMA


          Observar e analisar as Relações Internacionais somente a partir do debate central entre o conjunto teórico dos paradigmas realistas em contraste aos postulados liberais representa um desserviço ao rico corpo teórico que buscou abordagens diferenciadas daquelas com interesse unívoco e centralizador das forças estatais. É a partir desta ideia que Silva (2005) se propõe a discutir as influências do pensamento marxista nas Relações Internacionais. Um internacionalista conhecedor do padrão monista das teorias tradicionais veria surgir a seguinte pergunta: teriam os argumentos tradicionais alguma aplicabilidade no entendimento marxista? Poderiam conceitos de Estado, nação, sistema de Estados serem combinados ao arcabouço marxista?
            Os questionamentos acima surgem principalmente pelo fato de que nas obras de Marx e Engels não há clara referência aos interesses políticos como fonte de poder primário e de movimentação das forças sociais. De fato, Silva (2005), Sarfati (2005) e Vigevani et al. (2011) reconhecem que, para o marxismo daquele período (século XIX), à luz do pensamento de Marx, todas as relações estavam subordinadas à estrutura econômica e ao conflito de classes por ela estabelecidos.


            Vigevaniet al. (2011) são particularmente incisivos ao afirmar que é justamente o foco na análise economicista, divergências de classes e de dominação – mesmo que em um sentido limitado - a partir do materialismo histórico dialético, que tem permitido aos internacionalistas desenvolverem um olhar diferenciado, atento aos interesses de outros atores internacionais que não os poderosos Estados nacionais. Sarfati (2005) nos recorda que o internacionalismo desenvolvido por Marx como a percepção de uma condição de exploração dos operários a qual ultrapassa as barreiras estatais pode ser compreendida com elo significativo entre sua teoria e o campo das RI.
            Para compreendermos o espaço ocupado pelo marxismo nas Relações Internacionais, de forma didática, podemos ainda dividi-lo em duas modalidades: a tradicional (advinda do pensamento de Marx) e a crítica (baseada inicialmente nos pensamentos de Marx, contudo, abrangendo o campo de análise social). A primeira faz referência à produção realizada principalmente durante das décadas de 1960 e 1970, contexto no qual a abertura dos campos de discussões para o meio civil permitiram que uma grande explosão de teorias viesse a ocorrer. Já a modalidade crítica faz referência ao período a partir da década de 1980, com influências do pós-positivismo e do pós-estruturalismo.
            Sendo a primeira modalidade o foco deste texto, cabe elucidar que a abordagem tradicional diz respeito, em linhas gerais, à uma transposição da dogmática marxista do conflito de classes “doméstico”para as relações entre as Sociedades do Sistema Internacional.Desse modo, os autores que adotam esta linha tomam a estrutura do sistema capitalista e as dinâmicas por ela impostas como ferramentas basilares de análise das relações internacionais. Merecem destaque, dentro da modalidade tradicional duas grandes teorias, a do “Sistema-Mundo”, desenvolvida pelo americano Immanuel Wallerstein[1] e a Teoria da Dependência, desenvolvida por autores latino-americanos, como o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso.
            Vigevani et al. (2011) observam que, ainda que partilhem a identificação das relações internacionais – e do consequente posicionamento das sociedades no sistema – a partir do direcionamento dos fluxos de bens com baixo valor agregado para aqueles que os transformarão em bens de alto valor agregado, as divergências entre as teorias são importantes. Para Wallerstein, as mudanças que porventura venham a ocorrer no sistema podem muito bem inverter a situação dos países, ou seja, aqueles que em um momento se encontravam como subdesenvolvidos ou em desenvolvimento podem um dia ocupar a posição de desenvolvidos e vice – versa.
Quanto à teoria Dependentista, há um maior enrijecimento das posições dos países porque as sociedades dominantes se utilizam do sistema econômico, de práticas discursivas de “possível ascensão” e de seu poderio militar para assegurar a permanência da relação de dependência que as sociedades subdesenvolvidas se encontram em sua lógica de exportação barata, produção e consumo de bens com alto valor agregado dos primeiros.


            As influências da teoria da Dependência no pensamento político e nas políticas econômicas do Cone Sul se tem feito mais aparentes nas últimas décadas, seja por meio de discursos de identidade regional em oposição ao capitalismo das grandes potências, como tem demonstrado o governo venezuelano desde a década de 1990, quanto como uma fusão entre uma forma mais “branda” de oposição que busca na aplicação de propostas defendidas no Consenso de Washington, em 1989, uma forma de ascender economicamente a partir da identificação de potencialidades regionais, do tratamento cordial para com os vizinhos e o desenvolvimento de uma agenda internacional latino-americana. Este segundo modelo, desenvolvido no Brasil veio no início do século XXI a sofrer uma mutação, a qual Pecequilo (2008) viria a chamar durante os governos Lula e Dilmade “política externa em eixos combinados”, a qual prioriza as relações horizontais (com sociedades em desenvolvimento) sobre as relações verticais; numa dinâmica que ecoa o velho brado de “trabalhadores do mundo, uni-vos!”.
      Hodiernamente, esses dois modelos influenciados pela teoria da Dependênciatem convivido em maior harmonia, ainda mais depois da polêmica entrada da Venezuela no Mercosul. Se esta decisão implicará em uma aceleração do processo de desenvolvimento dos envolvidos – pouco provável – ou numa sabotagem ao modelo democrático brasileiro vigente, ou ainda outro cenário ainda nebuloso. Cabe aos internacionalistas reconhecer e considerar em suas predições a força política que esse paradigma teórico ainda hoje exerce sobre o cenário da região.


Notas:

[1] Aos que desejarem conhecer um pouco mais sobre a teoria do Sistema-Mundo e sobre o próprio Wallerstine, alguns de seus textos jornalísticos estão disponíveis no site: http://outraspalavras.net/.

Referências:
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa do Brasil no século XXI: os eixos combinados de cooperação horizontal e vertical. Rev. bras. polít. int.,  Brasília ,  v. 51, n. 2, dezembro            de 2008.             Disponível    em:                             http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292008000200009&lng=en&nrm=iso”. Acessoem 10 de junho de 2014.
SARFATI, Gilberto. Teorias das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
SILVA, Marco Antonio de Menezes. A Teoria Crítica em Relações Internacionais. CONTEXTO INTERNACIONAL. Rio de Janeiro, vol. 27, nº 2, julho/dezembro, 2005, pp.249 - 282.
VIGEVANI, Tullo et al. A contribuição marxista para o estudo das relações internacionais. Lua Nova, São Paulo, nº 83, 2011. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452011000200005&lng=en&nrm=iso. Acessoem13  deJunho de 2014. 





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