Acadêmica do 3°
semestre de Relações Internacionais
Joseph Nye é um teórico de Relações
Internacionais (RI) que sofre influências da tradição liberal. Ele, juntamente
com Robert Keohane, é fundador da vertente Neoliberal, teoria que se tornou contemporânea
ao Neorrealismo, uma das mais utilizadas para analisar as dinâmicas do sistema
internacional (SI). O objetivo deste artigo é abordar o surgimento do Neoliberalismo
em consonância com os fatos históricos do período vigente à Guerra Fria e expor
as principais ideias desta teoria.
Em um primeiro momento, a Guerra Fria possuiu
uma forte essência realista sob a luz da corrida armamentista: criação da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN-1949), A Guerra da Coréia
(1950), o Pacto de Varsóvia (1955), a Guerra da Vietnã (1959), a construção do
simbólico muro de Berlim (1961). Apesar disso, um acontecimento do dia 14 de
outubro de 1962 apaziguou toda aquela esfera conflituosa. Tratou-se da Crise
dos Mísseis, quando descobriu-se que a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) estava instalando mísseis nucleares na ilha cubana. O mundo sabia o que aquilo significava. Já
havia presenciado Hiroshima e Nagasaki. Aquele impasse precisava ser resolvido.
Com isso, ganhou espaço uma série de
negociações para conter a ameaça de uma guerra nuclear. Fruto disso foi o
Tratado de Não Proliferação (1968). Dizia, dentre outras coisas, que a energia
nuclear somente deveria ser utilizada para fins pacíficos, o que condiz com um
momento conhecido como Détente (distensão), caracterizado por uma relativa
coexistência pacífica entre os dois grandes blocos.
As crises do petróleo ocorridas nos anos 70
revelaram um estreito vínculo entre Estados e atores não-estatais. O mundo
globalizado tornava os atores interdependentes.
Segundo PERES (2009), o tema “interdependência” ganhou importância nas
publicações conjuntas de Nye e Keohane. Foram publicadas as obras
“Transnational Relations and World Politics” (1971) e “Power and Independence:
World Politic in Transition” (1977).
De acordo com PERES (2009), Keohane e Nye
acreditavam que as relações internacionais não mais poderiam ser explicadas
pela ótica realista da preocupação com a segurança. Algo a mais ganhava força.
Países periféricos tornavam-se relevantes. Não por questões militares, mas pelo
desenvolvimento comercial, financeiro e tecnológico. As organizações
internacionais (OIs) fomentavam a cooperação. O contexto conflituoso de Guerra
Fria parecia mudar...
O final da década de 70 e os anos 80,
contudo, proporcionaram sérias mudanças na política internacional. Em 1979, o
Neorrealista Kenneth Waltz lançou sua importante obra chamada “Theory of
International Politics”, propondo uma teoria geral das RI. Entendia os fatos
internacionais do modo que se entende as leis científicas – há uma realidade lá
fora que só precisa ser descoberta – e o ponto crucial: os acontecimentos do SI
deveriam ser analisados em nível sistêmico.
Ainda em 1979, houve o fim da Détente. Com Ronald Reagan a frente dos
Estados Unidos, as relações políticas no SI endureceram. Uma clara volta aos
postulados realistas. Diante disso, a tradição liberal precisava modificar
algumas de suas premissas. Foi exatamente isso o que Keohane e Nye fizeram,
sem, no entanto, perderem a essência liberal. Para eles, a política
internacional ainda abrigava diversos atores entre Estados e não-Estados.
Além da grande importância conferida às
instituições. Esta teoria, contudo, passou a ter um teor parcimonioso, ou seja,
sistêmico. Houve a necessidade de se levar as questões ao mesmo nível de
análise (sistêmico) dos Neorrealistas. Keohane e Nye se auto intitularam
“Neoliberais” e a nova teoria liberal ficou assim esboçada:
O Estado continua sendo o principal ator das
RI. Ele, no entanto, convive com outros atores no SI tão importantes quanto as
unidades nacionais. O sistema internacional é anárquico. A anarquia do SI
proporciona falta de comunicação e informações precárias entre os atores. Isso
pode levar a incertezas quanto aos posicionamentos e intenções de cada um, e
consequentemente a conflitos.
O mundo globalizado é interdependente porque
gera dependência mútua entre os diversos atores. Referem-se às situações as
quais se notam efeitos recíprocos entre os atores que promovem a política
mundial. Esta interdependência é complexa por englobar atores com interesses
nem sempre parecidos, bem como temas, discussões e ações que nem sempre entram
em consonância. A interdependência complexa é multidirecional.
Os Neoliberais reconhecem que a política
internacional não é pacífica. Primeiro, por causa da anarquia do SI, onde
prevalece a falta de informações. Depois, a interdependência complexa nem
sempre é algo bom. Ela gera dependência mútua. Os atores podem agir de forma a
afetar negativamente uns aos outros e isso é causa de discordâncias e possíveis
conflitos. Por isso, em sua obra
intitulada “Cooperação e Conflito nas relações internacionais” (2001), Nye
esclarece quatro distinções da interdependência complexa que contribuem para
entendê-la: origens, benefícios, custos e (a)simetria.
As origens são de fácil entendimento. Estão
ligadas aos fenômenos que promovem as causas da interdependência. Podem ser:
militar, econômica, social, alimentar, causas naturais, etc. quanto aos
benefícios, a interdependência proporciona ganhos absolutos aos atores.
Diretamente ligados aos ganhos conjuntos, todos se beneficiam. Isso faz com que
mirem a cooperação ao invés da competição. Contudo, Nye reconhece que há
riscos. Principalmente quando diz respeito à distribuição dos ganhos. Além
disso, os custos da interdependência complexa são a sensibilidade e a
vulnerabilidade.
Segundo Nye, sensibilidade “refere-se à
quantidade e ao ritmo dos efeitos da dependência; quer dizer, com que rapidez
as mudanças em uma parte do sistema produzem mudanças em outra parte?” (NYE, p.
254, 2001). Em outras palavras: diz
respeito à rapidez com que um ator sente as mudanças no cenário internacional.
A vulnerabilidade está mais relacionada às capacidades que um ator possui de
transformar seus “pontos fracos”. Relaciona-se aos mecanismos para resolver os
problemas advindos da sensibilidade. Quanto maior a capacidade de reação, menos
vulnerável é o ator.
Os Neoliberais consideram ainda que a
interdependência complexa seja assimétrica. Alguns atores são menos
interdependentes, outros são mais facilmente afetados. Isto pode ditar as
diferenças de ganho de cada ator. Assim, a interdependência complexa pode ser
utilizada como um recurso de poder, permitindo ao Estado ou qualquer outro ator
usá-la como um meio de maximizar seu poder, aumentando os seus ganhos. Os
regimes, organizações internacionais, blocos e demais formas de atuação
conjunta permitem com que o ator atinja seus objetivos, cooperando. Não há a
necessidade de entrar em conflito com outros atores.
A
tradição realista já não pode mais acusar os Neoliberais de utópicos. Nem
Keohane, nem Nye, e demais Neoliberais, sonham com a harmonia de interesses.
Tomam a política mundial tal como ela se apresenta: um SI globalizado e
interdependente, onde a comunicação é fator importante e o isolamento é
custoso. Quanto à guerra, Nye a trata como uma escolha. A democracia não é mais
vista como uma forma de governo que levará a paz. Contudo, ele ainda defende a
Democracia Liberal, ou seja, aquela aberta à opinião pública. Afinal, as
pessoas não escolheriam morrer em meio ao conflito.
Muito menos acreditam em uma paz perpétua. Na
realidade, na publicação de 2001, J. Nye utiliza o termo “ilhas de paz” que
caracteriza a situação do SI. Em um ambiente em que a anarquia internacional e
a interdependência complexa podem gerar conflitos, é necessário que se
identifique os focos de paz e que se fomente a cooperação nestes espaços.
O sistema mundial não é exatamente o lugar
onde a paz prevalece. É possível identificar mudanças em questões de
comunicação (internet), transporte, recursos de poder, atores, etc., mas estas
mudanças nem sempre servirão para “melhorar” a realidade internacional. O
aparecimento de organizações terrorista – não-Estatais – por exemplo, não se
caracteriza por contribuir para o desenvolvimento de uma política pacífica.
Porém, diversos atores ganham representatividade a cada momento e são tão
importantes quanto os Estados.
O neoliberalismo não é tão ingênuo quanto
suas vertentes anteriores. Nem tão pessimista quanto a tradição realista.
Nogueira e Messari consideram o Neoliberalismo uma forma de conciliar o
realismo e o liberalismo. Isto indica que as teorias que promoveram o Segundo
Debate (NEO x NEO) podem, em certos termos, se complementarem e contribuir para
uma melhor abordagem dos acontecimentos no sistema internacional.
Referencias:
MESSARI, Nizar; Nogueira, João Pontes. Teoria das
Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
NYE, Joseph S. Jr. Cooperação e Conflitos nas relações
internacionais: uma leitura essencial para entender as principais questões da
política mundial. Rio de Janeiro: Gente, 2010.
PERES, Hugo Freitas. O debate entre neorrealismo e
neoliberalismo. Revista Intersaberes, Curitiba, ano 4, n.7, p. 69-88, jan/jun
2009.
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