segunda-feira, 14 de julho de 2014

Neoliberalismo: a Interdependência complexa como fonte de conflito ou cooperação

 Christiane Ramos
Acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais


Joseph Nye é um teórico de Relações Internacionais (RI) que sofre influências da tradição liberal. Ele, juntamente com Robert Keohane, é fundador da vertente Neoliberal, teoria que se tornou contemporânea ao Neorrealismo, uma das mais utilizadas para analisar as dinâmicas do sistema internacional (SI). O objetivo deste artigo é abordar o surgimento do Neoliberalismo em consonância com os fatos históricos do período vigente à Guerra Fria e expor as principais ideias desta teoria.
Em um primeiro momento, a Guerra Fria possuiu uma forte essência realista sob a luz da corrida armamentista: criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN-1949), A Guerra da Coréia (1950), o Pacto de Varsóvia (1955), a Guerra da Vietnã (1959), a construção do simbólico muro de Berlim (1961). Apesar disso, um acontecimento do dia 14 de outubro de 1962 apaziguou toda aquela esfera conflituosa. Tratou-se da Crise dos Mísseis, quando descobriu-se que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) estava instalando mísseis nucleares na ilha cubana.  O mundo sabia o que aquilo significava. Já havia presenciado Hiroshima e Nagasaki. Aquele impasse precisava ser resolvido.
Com isso, ganhou espaço uma série de negociações para conter a ameaça de uma guerra nuclear. Fruto disso foi o Tratado de Não Proliferação (1968). Dizia, dentre outras coisas, que a energia nuclear somente deveria ser utilizada para fins pacíficos, o que condiz com um momento conhecido como Détente (distensão), caracterizado por uma relativa coexistência pacífica entre os dois grandes blocos.


As crises do petróleo ocorridas nos anos 70 revelaram um estreito vínculo entre Estados e atores não-estatais. O mundo globalizado tornava os atores interdependentes.  Segundo PERES (2009), o tema “interdependência” ganhou importância nas publicações conjuntas de Nye e Keohane. Foram publicadas as obras “Transnational Relations and World Politics” (1971) e “Power and Independence: World Politic in Transition” (1977).
De acordo com PERES (2009), Keohane e Nye acreditavam que as relações internacionais não mais poderiam ser explicadas pela ótica realista da preocupação com a segurança. Algo a mais ganhava força. Países periféricos tornavam-se relevantes. Não por questões militares, mas pelo desenvolvimento comercial, financeiro e tecnológico. As organizações internacionais (OIs) fomentavam a cooperação. O contexto conflituoso de Guerra Fria parecia mudar...
O final da década de 70 e os anos 80, contudo, proporcionaram sérias mudanças na política internacional. Em 1979, o Neorrealista Kenneth Waltz lançou sua importante obra chamada “Theory of International Politics”, propondo uma teoria geral das RI. Entendia os fatos internacionais do modo que se entende as leis científicas – há uma realidade lá fora que só precisa ser descoberta – e o ponto crucial: os acontecimentos do SI deveriam ser analisados em nível sistêmico.
Ainda em 1979, houve o fim da Détente. Com Ronald Reagan a frente dos Estados Unidos, as relações políticas no SI endureceram. Uma clara volta aos postulados realistas. Diante disso, a tradição liberal precisava modificar algumas de suas premissas. Foi exatamente isso o que Keohane e Nye fizeram, sem, no entanto, perderem a essência liberal. Para eles, a política internacional ainda abrigava diversos atores entre Estados e não-Estados.
Além da grande importância conferida às instituições. Esta teoria, contudo, passou a ter um teor parcimonioso, ou seja, sistêmico. Houve a necessidade de se levar as questões ao mesmo nível de análise (sistêmico) dos Neorrealistas. Keohane e Nye se auto intitularam “Neoliberais” e a nova teoria liberal ficou assim esboçada:
O Estado continua sendo o principal ator das RI. Ele, no entanto, convive com outros atores no SI tão importantes quanto as unidades nacionais. O sistema internacional é anárquico. A anarquia do SI proporciona falta de comunicação e informações precárias entre os atores. Isso pode levar a incertezas quanto aos posicionamentos e intenções de cada um, e consequentemente a conflitos.
O mundo globalizado é interdependente porque gera dependência mútua entre os diversos atores. Referem-se às situações as quais se notam efeitos recíprocos entre os atores que promovem a política mundial. Esta interdependência é complexa por englobar atores com interesses nem sempre parecidos, bem como temas, discussões e ações que nem sempre entram em consonância. A interdependência complexa é multidirecional.
Os Neoliberais reconhecem que a política internacional não é pacífica. Primeiro, por causa da anarquia do SI, onde prevalece a falta de informações. Depois, a interdependência complexa nem sempre é algo bom. Ela gera dependência mútua. Os atores podem agir de forma a afetar negativamente uns aos outros e isso é causa de discordâncias e possíveis conflitos.  Por isso, em sua obra intitulada “Cooperação e Conflito nas relações internacionais” (2001), Nye esclarece quatro distinções da interdependência complexa que contribuem para entendê-la: origens, benefícios, custos e (a)simetria.
As origens são de fácil entendimento. Estão ligadas aos fenômenos que promovem as causas da interdependência. Podem ser: militar, econômica, social, alimentar, causas naturais, etc. quanto aos benefícios, a interdependência proporciona ganhos absolutos aos atores. Diretamente ligados aos ganhos conjuntos, todos se beneficiam. Isso faz com que mirem a cooperação ao invés da competição. Contudo, Nye reconhece que há riscos. Principalmente quando diz respeito à distribuição dos ganhos. Além disso, os custos da interdependência complexa são a sensibilidade e a vulnerabilidade.
Segundo Nye, sensibilidade “refere-se à quantidade e ao ritmo dos efeitos da dependência; quer dizer, com que rapidez as mudanças em uma parte do sistema produzem mudanças em outra parte?” (NYE, p. 254, 2001).  Em outras palavras: diz respeito à rapidez com que um ator sente as mudanças no cenário internacional. A vulnerabilidade está mais relacionada às capacidades que um ator possui de transformar seus “pontos fracos”. Relaciona-se aos mecanismos para resolver os problemas advindos da sensibilidade. Quanto maior a capacidade de reação, menos vulnerável é o ator.
Os Neoliberais consideram ainda que a interdependência complexa seja assimétrica. Alguns atores são menos interdependentes, outros são mais facilmente afetados. Isto pode ditar as diferenças de ganho de cada ator. Assim, a interdependência complexa pode ser utilizada como um recurso de poder, permitindo ao Estado ou qualquer outro ator usá-la como um meio de maximizar seu poder, aumentando os seus ganhos. Os regimes, organizações internacionais, blocos e demais formas de atuação conjunta permitem com que o ator atinja seus objetivos, cooperando. Não há a necessidade de entrar em conflito com outros atores.



 A tradição realista já não pode mais acusar os Neoliberais de utópicos. Nem Keohane, nem Nye, e demais Neoliberais, sonham com a harmonia de interesses. Tomam a política mundial tal como ela se apresenta: um SI globalizado e interdependente, onde a comunicação é fator importante e o isolamento é custoso. Quanto à guerra, Nye a trata como uma escolha. A democracia não é mais vista como uma forma de governo que levará a paz. Contudo, ele ainda defende a Democracia Liberal, ou seja, aquela aberta à opinião pública. Afinal, as pessoas não escolheriam morrer em meio ao conflito.
Muito menos acreditam em uma paz perpétua. Na realidade, na publicação de 2001, J. Nye utiliza o termo “ilhas de paz” que caracteriza a situação do SI. Em um ambiente em que a anarquia internacional e a interdependência complexa podem gerar conflitos, é necessário que se identifique os focos de paz e que se fomente a cooperação nestes espaços.
O sistema mundial não é exatamente o lugar onde a paz prevalece. É possível identificar mudanças em questões de comunicação (internet), transporte, recursos de poder, atores, etc., mas estas mudanças nem sempre servirão para “melhorar” a realidade internacional. O aparecimento de organizações terrorista – não-Estatais – por exemplo, não se caracteriza por contribuir para o desenvolvimento de uma política pacífica. Porém, diversos atores ganham representatividade a cada momento e são tão importantes quanto os Estados.
O neoliberalismo não é tão ingênuo quanto suas vertentes anteriores. Nem tão pessimista quanto a tradição realista. Nogueira e Messari consideram o Neoliberalismo uma forma de conciliar o realismo e o liberalismo. Isto indica que as teorias que promoveram o Segundo Debate (NEO x NEO) podem, em certos termos, se complementarem e contribuir para uma melhor abordagem dos acontecimentos no sistema internacional. 


Referencias:
MESSARI, Nizar; Nogueira, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
NYE, Joseph S. Jr. Cooperação e Conflitos nas relações internacionais: uma leitura essencial para entender as principais questões da política mundial. Rio de Janeiro: Gente, 2010.
PERES, Hugo Freitas. O debate entre neorrealismo e neoliberalismo. Revista Intersaberes, Curitiba, ano 4, n.7, p. 69-88, jan/jun 2009.


 








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