quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Papa Francisco e a retomada diplomática entre Cuba e EUA: as transformações nas relações e a religião como fator de influência política

. Christiane Ramos
Acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais da UNAMA


Foram notáveis os acontecimentos da semana passada que revelaram uma (re)aproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos após décadas de relações conflituosas. A Guerra Fria teve um fim. O socialismo/comunismo passou a ser visto como uma prática de governo equivocada. Cuba permaneceu isolada. Mas, um líder religioso foi capaz de promover uma transformação neste cenário. O que possibilitou a ocorrência desta mudança tão significativa nas dinâmicas entre estes dois países? Busquemos responder esta pergunta pelo viés construtivista das Relações Internacionais. Tal resposta não é a única, mas pode ser importante para iluminar e aprofundar os vieses poucos adentrados da questão.
Ao longo da década de 1970, o embate entre as teorias NEO-NEO – conhecido como o Terceiro Debate na disciplina de Relações Internacionais – tomou conta das principais discussões internacionais. Neorrealismo e Neoliberalismo passaram a ter uma particularidade compartilhada (mesmo com todas as divergências teóricas): a parcimônia sistêmica, ou seja, a natureza dos acontecimentos internacionais deveria ser interpretada de acordo com certas limitações imutáveis promovidas pelo SI. Referente ao Neorrealismo, tem-se o equilíbrio de poder e a anarquia internacional; quanto ao Neoliberalismo, sobressai-se a interdependência complexa, bem como a importância dos arranjos de cooperação, promovidos com o intuito de moderar os conflitos intrínsecos ao SI, dentre outras.
Mas, a década de 70 e 80 também foram campos férteis para o desenvolvimento de outras teorias explicativas sobre a condição da política mundial. O construtivismo foi uma delas. Segundo ADLER (1999),

“O valor do construtivismo para os estudos das relações internacionais repousa basicamente em sua ênfase na realidade ontológica do conhecimento subjetivo e nas implicações metodológicas e epistemológicas dessa realidade”.

            Desta forma, tem-se a base teórica necessária para explanar sobre as atuais mudanças nas relações diplomáticas entre Cuba e EUA. Neste sentido, é importante classificar o relacionamento social entre os dois países em pelo menos três momentos diferentes: 1) antes da Revolução Cubana, quando os EUA dominavam a ilha caribenha e tinham naquele espaço, um meio de difusão de sua economia e política externa; 2) após a Revolução Cubana, influenciada pela ideologia comunista – ideia contrária àquela praticada pelos EUA, que provocaram todas as restrições e embargos econômicos sobre Cuba, presenciados até a semana passada; e, por último, 3) estas novas relações construídas atualmente.
            Interpreta-se destas mutações de comportamento que não há uma realidade ontologicamente imposta sobre os agentes sociais das relações internacionais. Ao contrário, os significados são construídos socialmente, bem como a maneira pela qual os agentes resolvem socializar-se. Portanto, esta nova aproximação diplomática entre EUA e Cuba só se tornou possível porque aquela realidade conflituosa da Guerra Fria já havia deixado de fazer sentido na política internacional. Depois, a identidade dos agentes envolvidos também sofreram mutações, por conta do meio social, ou seja, tornaram-se mais abertos à negociação e ao bom relacionamento, e desta forma, a política rígida deixou de ter significado para ambos.
        O construtivismo também é considerado um “meio-termo” nas Relações Internacionais, ou seja, pode ser tido como uma fase de transição entre as teorias positivistas e as teorias pós-positivistas com teor crítico. Neste sentido, em Cooperação e Conflito nas relações internacionais (2009), J. Nye aborda a importância que a figura de um líder pode provocar nas ações praticadas na política internacional. Assim, tem-se a imagem do Papa Francisco como um impulsionador da recomposição diplomática entre os Yankees e a ilha caribenha.


             A Companhia de Jesus é a ordem religiosa a qual o Papa Francisco foi ordenado padre. Jesuítas, como o grande líder religioso da Igreja Católica Apostólica Romana, têm por objetivo o empenho missionário e, ultimamente, passaram a ser reconhecidos pela proteção ao direitos fundamentais do homem. A religião, diferente do que muitos imaginam, não representa falácias produzidas para dominar a mentalidade da população. Na verdade, ela é um instrumento de transcendência humana. Um meio ético pelo qual o homem pode basear seu convívio em sociedade. A ação ética e responsável, abalizadas no amor à Deus é, em todos os momentos, o maior pedido do Papa Francisco aos fiéis (não somente aos católicos).
            Desta forma, respondendo à pergunta feita no primeiro parágrafo, as mudanças nos relacionamentos entre Cuba e Estados Unidos foram possíveis porque estes agentes produziram significados intersubjetivos capazes de causar mutações em suas identidades, que são socialmente construídas. Além do mais, a importância do Papa, através da influência de sua imagem, dos valores, da cultura e da ação ética, promoveu um ambiente que garantiu suporte e confiança, amenizando o cenário de contrariedades entre Cuba e EUA.
        Em plena véspera do Natal, cujas comemorações mantêm sentimento de solidariedade e compaixão ao próximo, uma reflexão sobre as construções sociais da realidade (não somente sobre a reaproximação entre EUA e Cuba) é importante, porque torna a coletividade o principal agente das transformações sociais. A paz, a ética, e a responsabilidade social não são conceitos externos a ação humana, portanto, não podem ser vistos como ontologias.
Contudo – abrindo um espaço na reflexão construtivista – já dizia o filósofo, “a realidade é socialmente construída, mas ontologicamente fundamentada *. Esta é a razão pela qual a vida humana e a busca pela paz e pela amenização dos conflitos ganham sentido e propósito.
            Que o Natal seja um momento de aproximação e amistosidade.
            Um feliz Natal a todos!

Nota:
*Reflexão geralmente realizada pelo teólogo, filósofo, coordenador e professor da disciplina de Teoria contemporânea das Relações Internacionais da Universidade da Amazônia, o Prof. MSc. Mário Tito Almeida.
                       
Referência:
ADLER, E. O construtivismo no estudo das relações internacionais. Lua Nova [online], n.47, pp. 201-246. 1999.
NYE, Joseph S. Jr. Cooperação e Conflitos nas relações internacionais: uma leitura essencial para entender as principais questões da política mundial. Rio de Janeiro: Gente, 2010.

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