segunda-feira, 28 de abril de 2014

(RE) CONSTRUÇÃO DA GRANDE RÚSSIA? PONTOS PARA ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA CONSTRUTIVISTA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Prof. MSc. Mário Tito Almeida
Docente de Teoria Contemporânea das Relações Internacionais da UNAMA
         A teoria construtivista das Relações Internacionais vem se constituindo, ao lado da neorrealista e da neoliberal, como uma das mais utilizadas na contemporaneidade na análise dos fatos internacionais.
Segundo ADLER (1999),
 “O construtivismo está no meio termo porque se interessa em entender como os mundos material, subjetivo e intersubjetivo interagem na construção social da realidade, e porque, mais do que considerar exclusivamente como as estruturas constituem as identidades e os interesses dos agentes, ele pretende também explicar como, antes de tudo, os agentes individuais constroem socialmente essas estruturas.”

Assim, sendo uma “via média” entre as teorias positivistas e as pós-positivistas, o construtivismo defende que para entender a dinâmica do sistema internacional (SI) é preciso ir além das considerações de fatores materiais e ponderar a relevância das variáveis imateriais, como valores, crenças, normas e ideias.
           Este instrumental teórico construtivista pode ajudar a compreender o que vem acontecendo na Eurásia, a partir dos movimentos da Rússia na região. O presente artigo objetiva ser um levantamento de questões relacionadas a este tema, em especial a análise das motivações russas em sua política externa com relação aos países vizinhos, em uma abordagem inicial que pretende abrir novos pontos de análises posteriores aos meus alunos de Relações Internacionais

Para os construtivistas a realidade é socialmente construída e, no movimento constante dos agentes que moldam a estrutura e por ela são moldados, a relação entre os Estados e todos os outros agentes do SI vem sendo continuamente moldada por meio das identidades que conformarão seus interesses. Nesse sentido, as ideias, os valores e as crenças exercem papel relevante. Por elas um Estado define os interesses no sistema internacional, seja no sentido da cooperação, da expansão de seu poder-força ou da disposição ao conflito.
Coerentemente com o que WENDT (1992) já afirmara em seu artigo seminal, a anarquia (bem como a governança, a guerra ou a própria paz) é aquilo que os estados fazem disso. Ou seja, os interesses e as ações de um Estado no SI dependem de como este se compreende como tal. Isto significa que, de acordo com WENDT (1987), a identidade precede os interesses. Em outras palavras: dependendo de como a identidade é construída (no sentido relacional e coletivo do termo) os interesses desse Estado serão definidos.
Aplicando estes conceitos às ações da Rússia na Eurásia hoje, pode-se perceber, grosso modo, três movimentos ao longo da segunda metade do século XX até nossos dias.
Num primeiro momento, durante a guerra fria, percebe-se a consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), como a identidade que explicita o ideal soviético em toda região da Ásia Setentrional e do Leste Europeu. Sustentado pelo comunismo russo, a organização política, econômica e social da URSS espelhava a identidade de uma grande Rússia, caracterizada, entre outras coisas, pelo confronto ideológico e militar com os EUA. Seus interesses, por isso, se configuraram na busca de hegemonia no sistema internacional por meio de estratégias de domínio e de sustentação do avanço comunista no mundo, tais como manutenção de regimes comunistas nos vários continentes (Cuba, Vietnã, Afeganistão...) e a corrida nuclear e espacial.
O segundo momento corresponde ao período do imediato pós-guerra fria, no qual, com o fim da URSS, a Rússia viveu momentos de reidentificação. Neste contexto, foi crescendo a ocidentalização da Rússia na busca da construção de um grande país Europeu, na linha do que preconizaram Mikhail Gorbatchev, com a Prestroika e a Glasnost, e Boris Yeltsin. Assim, a partir desta identidade, foram sendo moldados os interesses russos no SI. Tais interesses visavam à participação ativa da Rússia nos fóruns multilaterais de construção da nova ordem mundial, no estreitamento de conversações com vistas à participação efetiva na União Europeia, na aproximação com as estruturas de mercado internacionais, na ampliação do diálogo com outros Estados com interesses de cooperação comum (BRICS, G-8, OMC...), entre outros.
O terceiro momento parece ser este que estamos vivendo atualmente. Trata-se, de uma retomada ideológica, que marca o fim da visão interna da Federação Russa como "um grande país europeu", e manifesta a recriação e consolidação do projeto russo de "um grande país", que, sob o aspecto histórico das grandes potências, não representaria nenhuma novidade, visto que tal projeto também foi posto em prática, em épocas diversas por EUA e Grã-Bretanha, por exemplo, conforme refere-se DUGIN (2004).

Neste sentido, a deliberações tomadas pelo Presidente Vladimir Putin relativos aos Estados vizinhos (mais recentemente na Ucrânia, com a questão da Crimeia) obedeceriam a este processo de (re)construção da identidade da Grande Rússia como uma nação que pode influenciar fortemente nos processos do SI contemporâneo. Para tal, uma grande quantidade de projetos de alto custo em setores diferentes, tais como o tecnológico (modernização do parque industrial, por meio de inovações científicas, sustentadas por financiamento de pesquisas na área), o militar (criação do grande exército russo), o religioso (conceito de "grandes religiões tradicionais da Rússia"), o cultural (reafirmação dos valores russos e da "grande cultura russa") e o geopolítico (que fundamenta a "grande ascensão geopolítica", incluindo a reintegração do país na União Aduaneira Eurasiática e na federalização de regiões nos estados vizinhos que contam com maioria russa), vêm sendo projetados e implementados para estabelecer esta imagem.
Como se vê, os fatores que influenciam na compreensão do que vem acontecendo com a Rússia e Estados vizinhos (e que, pela interdependência complexa, interfere em todas as relações do SI contemporâneo) vão além dos econômicos e políticos (fatores eminentemente materiais) e alcançam vieses imateriais, não quantificáveis. Para a teoria construtivista, a não atenção a estes, levou os seguidores das teorias racionalistas (neorrealismo e neoliberalismo) a não serem capazes de compreender os rumos que o SI tomaria, em especial nos episódios da queda do muro de Berlim e do esfacelamento da URSS, bem como dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Assim, acredito que a teoria construtivista oferece elementos importantes e interessantes para compreender além do ôntico o que vem acontecendo no leste europeu e na eurásia. A partir do que se abordou acima, questões se abrem e pontos de partida para pesquisas se manifestam.  São áreas pertinentes e relevantes para quem quiser entender mais a fundo os fatos internacionais.
Boas pesquisas!

REFERÊNCIAS
ADLER, E. O construtivismo no estudo das relações internacionais. Lua Nova [online], n.47, pp. 201-246. 1999.
DUGIN, Alexander. The Eurasian Idea: what is eurasianism today? What forms the concept of Eurasia? Seven senses of word eurasianism and evolution of notion of eurasianism. International Eurasian Movement. 2004. Disponível em: <http://evrazia.info/modules.php ?name=News&file=article&sid=1884>. Acesso em: 27 abr. 2014.
NOGUEIRA, J.P.; MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
WENDT, A. The agent-structure problem in international relations theory. International Organization, vol. 41, n. 3, pp 335-370, 1987.
___________. Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of Power Politics. International Organization, Vol. 46, n. 2, pp. 391-425. Spring, 1992.

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