Prof. MSc. Mário Tito Almeida
Docente de Teoria Contemporânea das Relações
Internacionais da UNAMA
A
teoria construtivista das Relações Internacionais vem se constituindo, ao lado
da neorrealista e da neoliberal, como uma das mais utilizadas na
contemporaneidade na análise dos fatos internacionais.
Segundo ADLER (1999),
“O construtivismo está no meio termo
porque se interessa em entender como os mundos material, subjetivo e
intersubjetivo interagem na construção social da realidade, e porque, mais do
que considerar exclusivamente como as estruturas constituem as identidades e os
interesses dos agentes, ele pretende também explicar como, antes de tudo, os
agentes individuais constroem socialmente essas estruturas.”
Assim, sendo uma “via média” entre as
teorias positivistas e as pós-positivistas, o construtivismo defende que para
entender a dinâmica do sistema internacional (SI) é preciso ir além das
considerações de fatores materiais e ponderar a relevância das variáveis
imateriais, como valores, crenças, normas e ideias.
Este instrumental teórico construtivista pode
ajudar a compreender o que vem acontecendo na Eurásia, a partir dos movimentos
da Rússia na região. O presente artigo objetiva ser um levantamento de questões
relacionadas a este tema, em especial a análise das motivações russas em sua
política externa com relação aos países vizinhos, em uma abordagem inicial que
pretende abrir novos pontos de análises posteriores aos meus alunos de Relações
Internacionais
Para os construtivistas a realidade é
socialmente construída e, no movimento constante dos agentes que moldam a
estrutura e por ela são moldados, a relação entre os Estados e todos os outros
agentes do SI vem sendo continuamente moldada por meio das identidades que
conformarão seus interesses. Nesse sentido, as ideias, os valores e as crenças
exercem papel relevante. Por elas um Estado define os interesses no sistema
internacional, seja no sentido da cooperação, da expansão de seu poder-força ou
da disposição ao conflito.
Coerentemente com o que WENDT (1992) já afirmara em
seu artigo seminal, a anarquia (bem como a governança, a guerra ou a própria
paz) é aquilo que os estados fazem disso. Ou seja, os interesses e as ações de
um Estado no SI dependem de como este se compreende como tal. Isto significa
que, de acordo com WENDT (1987), a identidade precede os interesses. Em outras
palavras: dependendo de como a identidade é construída (no sentido relacional e
coletivo do termo) os interesses desse Estado serão definidos.
Aplicando estes conceitos às ações da
Rússia na Eurásia hoje, pode-se perceber, grosso
modo, três movimentos ao longo da segunda metade do século XX até nossos
dias.
Num primeiro momento, durante a guerra
fria, percebe-se a consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), como a identidade que explicita o ideal soviético em toda região da Ásia Setentrional e do Leste Europeu.
Sustentado pelo comunismo russo, a organização política, econômica e social da URSS
espelhava a identidade de uma grande Rússia, caracterizada, entre outras
coisas, pelo confronto ideológico e militar com os EUA. Seus interesses, por
isso, se configuraram na busca de hegemonia no sistema internacional por meio
de estratégias de domínio e de sustentação do avanço comunista no mundo, tais
como manutenção de regimes comunistas nos vários continentes (Cuba, Vietnã,
Afeganistão...) e a corrida nuclear e espacial.
O segundo momento corresponde ao período
do imediato pós-guerra fria, no qual, com o fim da URSS, a Rússia viveu
momentos de reidentificação. Neste contexto, foi crescendo a ocidentalização da
Rússia na busca da construção de um grande país Europeu, na linha do que
preconizaram Mikhail Gorbatchev, com a Prestroika e a Glasnost, e Boris
Yeltsin. Assim, a partir desta identidade, foram sendo moldados os interesses
russos no SI. Tais interesses visavam à participação ativa da Rússia nos fóruns
multilaterais de construção da nova ordem mundial, no estreitamento de
conversações com vistas à participação efetiva na União Europeia, na
aproximação com as estruturas de mercado internacionais, na ampliação do diálogo
com outros Estados com interesses de cooperação comum (BRICS, G-8, OMC...),
entre outros.
O
terceiro momento parece ser este que estamos vivendo atualmente. Trata-se, de
uma retomada ideológica, que marca o fim da visão interna da Federação Russa
como "um grande país europeu", e manifesta a recriação e consolidação
do projeto russo de "um grande país", que, sob o aspecto histórico
das grandes potências, não representaria nenhuma novidade, visto que tal
projeto também foi posto em prática, em épocas diversas por EUA e Grã-Bretanha,
por exemplo, conforme refere-se DUGIN (2004).
Neste
sentido, a deliberações tomadas pelo Presidente Vladimir Putin relativos aos
Estados vizinhos (mais recentemente na Ucrânia, com a questão da Crimeia)
obedeceriam a este processo de (re)construção da identidade da Grande Rússia
como uma nação que pode influenciar fortemente nos processos do SI
contemporâneo. Para tal, uma grande quantidade de projetos de alto custo em
setores diferentes, tais como o tecnológico (modernização do parque industrial,
por meio de inovações científicas, sustentadas por financiamento de pesquisas
na área), o militar (criação do grande exército russo), o religioso (conceito
de "grandes religiões tradicionais da Rússia"), o cultural
(reafirmação dos valores russos e da "grande cultura russa") e o geopolítico
(que fundamenta a "grande ascensão geopolítica", incluindo a
reintegração do país na União Aduaneira Eurasiática e na federalização de
regiões nos estados vizinhos que contam com maioria russa), vêm sendo
projetados e implementados para estabelecer esta imagem.
Como se vê, os fatores que influenciam na
compreensão do que vem acontecendo com a Rússia e Estados vizinhos (e que, pela
interdependência complexa, interfere em todas as relações do SI contemporâneo)
vão além dos econômicos e políticos (fatores eminentemente materiais) e
alcançam vieses imateriais, não quantificáveis. Para a teoria construtivista, a
não atenção a estes, levou os seguidores das teorias racionalistas
(neorrealismo e neoliberalismo) a não serem capazes de compreender os rumos que
o SI tomaria, em especial nos episódios da queda do muro de Berlim e do
esfacelamento da URSS, bem como dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Assim,
acredito que a teoria construtivista oferece elementos importantes e
interessantes para compreender além do
ôntico o que vem acontecendo no leste europeu e na eurásia. A partir do que
se abordou acima, questões se abrem e pontos de partida para pesquisas se
manifestam. São áreas pertinentes e relevantes para
quem quiser entender mais a fundo os fatos internacionais.
Boas
pesquisas!
REFERÊNCIAS
ADLER, E. O construtivismo no estudo das relações internacionais. Lua Nova [online],
n.47, pp. 201-246. 1999.
DUGIN, Alexander. The Eurasian Idea: what is
eurasianism today? What forms the concept of Eurasia? Seven senses of word
eurasianism and evolution of notion of eurasianism. International
Eurasian Movement.
2004. Disponível em: <http://evrazia.info/modules.php ?name=News&file=article&sid=1884>.
Acesso em: 27 abr. 2014.
NOGUEIRA, J.P.;
MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2005.
WENDT, A. The agent-structure problem in international
relations theory. International Organization, vol. 41, n. 3, pp 335-370, 1987.
___________. Anarchy is what States Make of it: The
Social Construction of Power Politics. International
Organization, Vol. 46, n. 2, pp. 391-425. Spring, 1992.
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