quarta-feira, 14 de maio de 2014

Os 126 anos da Lei Áurea

Bianca Freitas
Acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

O dia 13 de maio de 1888 é considerado o dia da abolição da escravatura no Brasil, quando a posse de um ser humano por outro passou a ser considerada ilegal.  Apesar de a escravidão ser ilegal a partir dessa data, a prática ainda existe na sociedade atual em uma nova versão: a escravidão contemporânea, ou nova escravidão ou ainda “trabalho análogo ao de escravo”, que é o termo utilizado pela legislação brasileira para tratar do tema.
Na história da humanidade a escravidão está presente desde os tempos bíblicos e das civilizações romanas e gregas. No Brasil a prática está muito atrelada ao período em que os portugueses começaram a colonização do país. Porém a prática de escravatura já existia em solo brasileiro entre tribos indígenas em um contexto diferenciado, baseado em tradições culturais.
No período de colonização do país, os colonos necessitavam de muita mão de obra para o desenvolvimento de seus interesses mercantilistas, e para isso os índios foram utilizados como escravos. A utilização de índios como escravos foi considerada mais vantajosa, pois seriam altos os custos de aquisição de escravos negros, além de que o índio estava altamente adaptado e tinha conhecimento da região o que facilitou a exploração.
O índio foi substituído pelo negro, após a forte pressão dos religiosos pela libertação dos índios, entre outros fatores. A utilização do negro como escravo durou muitos anos, até que a Lei Áurea foi assinada, dando fim ao direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra. Porém o negro continuou a sofrer, pois não houve por parte do Estado brasileiro qualquer projeto que facilitasse sua integração na sociedade e no mercado de trabalho. 
A abolição da escravidão, não significou a erradicação da mesma. A forma contemporânea de escravidão foi encontrada no Brasil no final do século XIX, período ocupação da Amazônia, onde milhares de pessoas atraídas pelas promessas e perspectivas de uma vida melhor adentravam na floresta para extrair látex.  Os trabalhadores eram submetidos a rotinas exaustivas de trabalho na selva, vítimas de doenças como a malária e adquiriam uma dívida ilegal e crescente, na cantina onde adquiriam os mantimentos.
Em regiões de extrema pobreza, sem perspectiva de emprego e renda, o trabalhador é facilmente aliciado com promessas de bons salários e boas condições de trabalho, além de alguma das vezes receber um adiantamento para deixar para a família. A chegar ao local de trabalho, eles encontram uma situação totalmente diferente do que foi prometido e são informados que todas as despesas de transporte, alimentação e o adiantamento deixado para a família fora anotado no caderno de dívida as despesas do trabalhador, e que também será incluído todo o material de serviço e de construção do alojamento e alimentação diária. O que resulta em um encargo exorbitante, que impede o trabalhador de ir embora, além da presença de guardas armados que inibem as fugas de modo violento, pois a sua liberdade está condicionada a eliminação da dívida. Ou seja, ela é um dos elementos mais marcantes na escravidão contemporânea.
Diferente da escravidão antiga, a escravidão moderna não faz distinção de cor, raça ou etnia, porém submete o trabalhador a situações tão degradantes e humilhantes quanto. O escravo moderno é mais lucrativo para o empregador que o antigo, pois antigamente comprar e manter um escravo gerava uma despesa para o empregador, no regime atual a despesa é toda repassada ao trabalhador, através da dívida, tornando assim a prática mais lucrativa.  
Desde 1995 quando o Brasil reconhece a existência de trabalho escravo em seu território perante a comunidade internacional e a Organização Internacional do Trabalho, algumas ações foram tomadas como a criação de estruturas governamentais para o combate ao crime do trabalho escravo, como Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (Gertraf) e o Grupo Móvel de Fiscalização.
Além da criação em 2003 do Cadastro de Empregadores que Tenham Mantido Trabalhadores em Condições Análogas à de Escravo ou “lista suja”. Quem é flagrado mantendo trabalhadores a condições análogas à de escravo, após passar por processo administrativo no qual tem chance de se defender, é inserido e permanece no cadastro por dois anos. Após este período, se tiver sanado todas as irregularidades e pago as indenizações devidas, é excluído. O cadastro é atualizado semestralmente e serve de base para restrições a financiamentos por parte de bancos públicos e de parâmetros para as negociações de empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Os procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria Interministerial MTE/SDH nº. 2/2011.
No Brasil a prática escrava pode ser encontrada principalmente na área rural, no setor agrícola, nas siderúrgicas, nas carvoarias e na derrubada da mata. Ocorre também em áreas urbanas, principalmente na construção civil, confecção e no trabalho doméstico. Dos 579 empregadores da “lista suja” em 2013, 26,08% dos casos estão no Pará, depois vem Mato Grosso com 11,23% e Goiás com 8,46%.
A PEC 438 prevê a desapropriação de terras onde sejam encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravidão. Porém apesar, de todos no Congresso se dizerem contra o trabalho escravo, a PEC tem encontrado forte resistência na Câmara dos Deputados. A aprovação da PEC 438 seria fundamental para o combate ao trabalho escravo.
Apesar de a Lei Áurea ter abolido e do esforço atual do Estado brasileiro no combate ao trabalho escravo, a prática ainda é uma chaga aberta em nosso território. O cientista político Leonardo Sakamoto afirma “A soma da pobreza generalizada - proporcionando mão de obra farta juntamente com a impunidade do crime criam condições para que perdurem práticas de escravização, transformando o trabalhador em mero objeto descartável”. O trabalho escravo não é somente uma violação dos direitos humanos, mas é uma prática que engloba varias violações, que “desumaniza” e por isso merece ser combatida de forma mais efetiva.

Referências
NERI, José. Erradicar o trabalho escravo é questão de humanidade. Disponivel em: <http://www.trabalhoescravo.org.br/noticia/32>. Acessado em 12/05/14
NEVES, M.; VELOSO, G. Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006.
REPORTE BRASIL, Especial: 10 anos da “lista suja” do trabalho escravo. Disponível em < http://reporterbrasil.org.br/2013/12/especial-10-anos-da-lista-suja-do-trabalho-escravo/>. Acessado em 02/05/2014.
SAKAMOTO, Leonardo, Lucro fácil, mão-de-obra descartável a escravidão contemporânea e economia internacional.  Disponível em < www.comciencia.br/200405/reportagens/11.shtml>. Acessado em 12/05/14

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