Brenda
de Castro
Internacionalista
e Mestranda em Ciência Política (PPGCP/UFPA)
Na semana da consciência
negra, um dos temas mais discutidos é o racismo. Racismo este que remonta quase
que automaticamente à escravidão, prática muito mais antiga que a época das
grandes navegações, mas que teve nesta o início de um dos períodos mais
sombrios da humanidade. A partir do momento em que os povos africanos começaram
a ser escravizados e comercializados pelo continente americano, as culturas
locais começaram a se formar e sentimos até hoje, em muitos países, os efeitos
deste histórico de exploração.
Apesar de cada país ter sua
própria história em relação ao racismo e à escravidão negra, os Estados Unidos
sempre se destacaram por alguns diferenciais como a questão de não ser uma
população tão miscigenada, além do tempo em que o sul do país levou para abolir
a escravidão. O país tem também em seu histórico práticas explícitas de racismo,
como a segregação em lugares e transportes públicos de negros e brancos.
Contudo, é no período em que
o negro nascido ao norte era livre e no sul era escravo em que o filme de hoje
se ambienta. 12 anos de escravidão (12 years a slave,) dirigido por Steve
McQueen, traz a história do protagonista, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor),
um negro, nascido livre, que é músico e alfabetizado. Após receber uma
oportunidade de trabalho em Washington, é sequestrado no ano de 1841 para o
estado de Louisianna, tornando-se um escravo, sem ter nada nem ninguém a quem
recorrer.
O diferencial do filme é
justamente explorar a perda da liberdade em si, já conquistada. Normalmente as
histórias partem do pressuposto que os escravos que ali estão, já o são,
dificilmente aborda a vida liberta que tinham antes de chegar ali. Então, para
o espectador é um choque ainda maior ver um homem que era nascido livre e
tocava sua vida normalmente, se ver sendo escravizado como seu pai havia sido
no passado, algo que ele nunca vivera.
A situação causa revolta e
indignação ao presenciarmos quão oscilante pode ser a ideia de certo e errado.
Enquanto em um Estado aquele homem possuía direitos, em outro, não era
considerado nada, inclusive nem mesmo carregava mais o próprio nome, uma total
anulação da sua identidade e existência.
Num primeiro momento ele
tenta desesperadamente provar que é um homem livre, que aquilo não se passa de
um engano, mas as chicotadas e os espancamentos só vêm como reafirmações da sua
atual condição. Por fim, para preservar sua vida e uma possível oportunidade de
fuga futura, ele se submete a diversas condições, inclusive chegando a esconder
o fato de ser alfabetizado.
Tanto a direção do filme
como a atuação de Chiwetel não provocam lágrimas ou cenas melancólicas, mas são
preenchidas pela frieza e autocontrole que o protagonista tenta suportar em
todas suas provações. Sem nunca desistir. A história é impressionante
justamente por ser real e o livro que deu origem ao filme ter sido escrito pelo
próprio Solomon Northup após conseguir se libertar da escravidão.
Não havia tanto a ideia de
direitos a serem conquistados por todos, de união ou coletividade, talvez até
mesmo pela ausência deste conceito, de que todos tinham aquele direito. A liberdade
parece em diversos momentos do filme uma urgência e necessidade individual.
Contudo, Solomon passa a desenvolver este senso com o passar do tempo e após
sua libertação se torna um ativista pelos direitos.
Observamos com Solomon o
absurdo da objetificação das pessoas, inclusive numa cena chocante em que mãe e
filha são separadas. Assim como os diversos pensamentos diferentes dos que
praticavam a escravidão: dos mais radicais e desumanos. Até mesmo aqueles que
enxergam o erro na prática, mas pouco ou nada fazem para impedi-la.
O filme é duro de assistir e
apesar de quase duas horas de longa-metragem, cada minuto nos traz algum tipo
de reflexão e indignação. Mostra os diferentes níveis da escravidão e os tipos
de escravocratas, além de demonstrar o cotidiano em que os escravos viviam e
como cada um encarava sua condição, desde os que continuavam tentando fugir até
aqueles que se conformavam e apenas tentavam diminuir as causas para o
sofrimento.
Por fim, após os doze anos
que o título do filme leva, Solomon acaba conseguindo fugir e voltar para sua
família, mas não deixa que sua experiência tenha sido em vão e publica o livro
com sua história, para aproximar das pessoas uma realidade distante,
principalmente para aqueles que, como ele, nasceram livres e não conheceram as
mazelas da privação da sua liberdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário