Christiane Ramos
Acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
“Sabe-se que guerras sempre existiram, assim como outros modos de violência nas civilizações, porém hoje a rapidez da comunicação traz a violência para dentro de nossas casas todo o tempo. Temos como questão contemporânea a violência globalizada e também banalizada” (2011, p. 09). ¹
É notável a repercussão que o grupo Estado Islâmico tem tomado no cenário Internacional. Suas práticas, abalizadas pelo fundamentalismo religioso, acometem civis e depositam receios à sociedade internacional. Diante deste fato, a questão que vem à tona é: não seria este o momento de interromper o avanço deste grupo, já que ele representa uma ameaça à ordem internacional, aos direitos humanos, ao direito internacional, e à sobrevivência dos Estados Westfalianos? O presente artigo tem como objetivo discutir este assunto, à luz da ideia de segurança coletiva.
O conceito de segurança coletiva fundamenta-se no imaginário de que qualquer ameaça à segurança e à paz internacional será combatida coletivamente, formando-se um sistema universal de ação conjunta entre os Estados. Justamente por ser considerada universal e comum, o uso da violência em âmbito internacional, nestes casos, é legitimada.
De acordo com HERZ (2004, p. 83), “o sistema é baseado na ideia da criação de um mecanismo internacional que conjuga compromissos de Estados nacionais para evitar, ou até suprimir a agressão de um Estado contra outro”. Desta forma, se reconhece que o ideal de segurança coletiva está baseado na paz internacional como sinônimo de sobrevivência e não agressão entre Estados legitimados.
Contudo, com o final da Guerra Fria, que pôs fim às amarras da bipolaridade, e mais tarde, quando o mundo testemunhou os ataques ao World Trade Center – agressões estas reivindicadas pelo grupo terrorista Al-Qaeda – o sistema internacional passou a perceber que nem só de Estados se faziam as Relações Internacionais e que atores não estatais possuem tanto poder de influência quanto os Estados. E mais, o empoderamento de não-estados capacitou-os de forma a serem vistos como uma possível ameaça internacional.
É neste contexto que se encaixa o grupo Estado Islâmico. Esta organização utiliza da violência não institucionalizada para guiar suas ações no cenário mundial. Cometem violência sexual contra mulheres, decapitações de prisioneiros como um “espetáculo” para chocar o mundo e fazem uso do fundamentalismo islâmico como um modo de atrair e alienar combatentes para morrerem por sua causa.
Diante destes atos, os Estados Unidos propuseram, em 05 de setembro de 2014, durante a Conferência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), realizada no País de Gales, uma coalizão internacional para combater o Estado Islâmico.
Desta iniciativa dos Estados Unidos podem ser feitos comentários importantes. Inicialmente, Monica Herz interessa-se em deixar evidente que “o sistema de segurança coletiva também se baseia no pressuposto de que é possível mudar o cálculo racional dos Estados. Dessa forma, o sistema funciona associado a arranjos para facilitar a resolução de disputas” (HERZ, 2004, p. 83).
A OTAN surgiu no período da Guerra Fria para combater o avanço do Comunismo. Portanto, despontou com o objetivo de combater um inimigo específico. Com a derrocada da URSS, a organização tem traçado outros objetivos para manter suas ações no sistema internacional. Contudo, ainda assim, é uma organização de defesa, e não exatamente de segurança. Nesse contexto, surge a ONU como agente capaz de transformar as preferências dos demais atores internacionais, com ênfase na segurança internacional e manutenção da paz.
Herz também estabelece as diferenças e implicações dos modos de combater as ameaças internacionais. Diferencia, portanto, alianças militares de segurança coletiva. Para a autora, a aliança militar está relacionada às questões materiais e formas palpáveis de defesa, sendo que ela surge para o combate de um inimigo específico. A segurança coletiva, por outro lado, baseia-se na ideia de construção da paz, na qual, este árduo percurso, poderá ser perturbado por algum inimigo que talvez possa surgir. Portanto, não se tem certeza de quando a ameaça surgirá. Não há um inimigo específico.
E mais importante ainda: todos os meios pacíficos devem ser empregados antes que se tome a decisão do uso da força. Assim, entram em cena a arbitragem, a negociação, a cooperação, as sanções, e outros. Mas, o caso do grupo Estado Islâmico é peculiar. As considerações sobre segurança coletiva relacionam-se basicamente à Estados legítimos.
A imagem do Estado como um ator importante no sistema internacional ainda é expressa pelos atores internacionais, mesmos que estes se encaixem na perspectiva de atores não estatais. O EI é uma amostra expressa desta ideia. O grupo se autointitulou “Estado” e passou a agir no sistema internacional de modo a se fazer legitimar como tal, claro, utilizando os meios específicos para isso.
BACCARINI (2009), considera que “não há uma conceitualização exata do que se pode denominar segurança coletiva acordada entre os diversos teóricos de RI”. Portanto, é um campo ainda a ser explorado pelos analistas e estudiosos de Relações Internacionais. Para HERZ, o fato de o conceito de segurança coletiva estar centrado na sobrevivência dos Estados e neles como ameaça, não limita o poder de ação da sociedade internacional, quando à ameaça diz respeito à atores não estatais. Para ela, “uma ameaça à paz não envolve, necessariamente, o uso da violência armada, nem se limita aos conflitos entre Estados” (2004, p. 105).
O surgimento de grupos e organizações como o Estado Islâmico no sistema internacional é uma fonte que necessita ainda de muitas reflexões. O conceito e abrangência da ideia de segurança coletiva está ainda sendo desenvolvida pelos estudiosos de política internacional. Alguns ainda questionam a capacidade das organizações internacionais de mudar as preferências dos atores internacionais, assim, pondo em risco a segurança coletiva institucionalizada.
Os risco que uma interferência pode causar aos países que estão sofrendo intervenções deve ser vigiado. Inclusive, o caso da Síria é bastante interessante, podendo ser um tema para outro artigo mais adiante.
Os combates ao EI já iniciaram. Cabe agora esperar para observar se os ideais de segurança coletiva e da “responsabilidade de e ao proteger” serão firmados.
Fiquemos atentos ao que acontece no cenário internacional!!
NOTA:
¹KIRILLOS, Fuad Neto; MOREIRA, Jacqueline de Oliveira; ROSÁRIO, Ângela Buciano do. As faces da violência na contemporaneidade: sociedade e clínica. Barbacena, MG: EdUEMG, 2011.
REFERÊNCIAS
BACCARINI, Mariana Pimenta Oliveira. Segurança Coletiva e Regimes de Segurança. Relações Internacionais no Mundo Atual, Curitiba, n. 10, p. 107-124, 2009-2.
BERCITO, Diogo. O que é o Estado Islâmico? Disponível em:< http://mundialissimo.blogfolha.uol.com.br/2014/09/03/o-que-e-o-estado-islamico/>. Acesso em: 27/09/2014.
CHECCHIA, V. J. P. CEIRE Newspaper. As alianças contra o Estado Islâmico. < Http://www.jornal.ceiri.com.br/as-aliancas-contra-o-estado-islamico/>. Acesso em: 27/09/2014. Visualizado às: 17:26.
G1. Obama define esta semana plano de ofensiva contra Estado Islâmico: Presidente falará na quarta para 'descrever plano'. Discurso será um dia antes do aniversário dos ataques de 11 de setembro. <Http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/09/obama-define-esta-semana-plano-de-ofensiva-contra-estado-islamico-20140907111004551611.html>. Acesso em: 08.09.14. Visualizado às: 22:24.
GERCHMANN, Léo. Zero Hora. As origens e a brutalidade do grupo Terrorista Estado Islâmico. http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/08/as-origens-e-a-brutalidade-do-grupo-terrorista-estado-islamico-4587195.html. Acesso em: 08.09.2014. Visualizado às: 21:52.
HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Segurança Coletiva. In: ______. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 82-131.
KIRILLOS, Fuad Neto; MOREIRA, Jacqueline de Oliveira; ROSÁRIO, Ângela Buciano do. As faces da violência na contemporaneidade: sociedade e clínica. Barbacena, MG: EdUEMG, 2011.