segunda-feira, 30 de junho de 2014

A Teoria Realista Clássica: Tucídides, Maquiavel e Hobbes


Bianka Neves
Acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais da UNAMA


O paradigma realista detêm suas preocupações em torno de dois conceitos chave: o poder e o conflito. E teve como corolário ou ainda marco inicial a Guerra do Peloponeso, entre 431-404 a. C., narrada e refletida pelo historiador grego Tucídides, considerado o “avô” do realismo clássico. Ele marca e remonta incialmente estes dois conceitos no decorrer de sua obra.

Assim, o realismo argumenta sobre a tese da sobrevivência e autoajuda por meio da manutenção do Estado, conservação do seu poder e a preservação da ordem pela subserviência de sua população, tendo a segurança comum como um pressuposto básico.  A segurança é um bem público de relevante valor. E mais: é um patrimônio necessário à humanidade que remonta aos antigos anseios das coletividades pré-estatais. No pensamento hobbesiano, essa percepção é bastante clara tanto em sua obra O Leviatã, quanto de seus escritos em De Cive. Em razão da necessidade de sobrevivência e da autoajuda dos Estados, o realismo irá se fundamentar no primado do egoísmo ético – em oposição ao altruísmo ético da escola liberal. Na famosa frase de Hobbes: “o homem é o lobo do próprio homem” - o Estado de Natureza.
Como Hedley Bull sintetiza acerca de Hobbes: a tradição hobbesiana descreve as relações internacionais como uma guerra de todos contra todos; uma arena de combates em que cada Estado está em preso contra o outro. As relações internacionais, em uma perspectiva hobbesiana, representam o puro conflito entre Estados e se assemelha a um jogo que é inteiramente distributivo ou uma soma-zero: os interesses de cada Estado excluem os de quaisquer outros (BULL, 2002, p. 23).
O cenário internacional, além de calcado na incerteza, é estruturado na assimetria do poder força entre os estados nacionais e na busca incessante dos seus próprios interesses, gerando insegurança. Por conseguinte, o Sistema Internacional é moldado pelo poder, pela força e pelo interesse, divergindo entre o coletivo e o individual. Em Hobbes, tal percepção reitera o sentido do “dilema de segurança”, situação na qual um determinado padrão de desenvolvimento da segurança interna, por meio de investimentos em defesa nacional pode gerar com os países vizinhos, situações até mesmo de aumento da insegurança. Em Hobbes, a vida no estado de natureza é solitária, pobre, detestável, bruta e curta. Para evitar tal situação de inconstância de vida, os estado civil surge para salvaguardar a ordem pública, a paz e a segurança dos cidadãos na relação com o “Leviatã” que imporá a força e o direito a fim de alcançar tal objetivo.
A corrente está sustentada, portanto, na existência inegável da anarquia, no dilema de segurança e no sistema de autoajuda dos Estados. E desde suas fontes clássicas na Ciência Política como Maquiavel e Hobbes, ao anterior estudo de Tucídides sobre as guerras entre Atenas e Esparta, e chegando a E.H Carr e Hans Morgenthau no século XX, além das novas vertentes estruturais e neoclássicas com Kenneth Waltz, John Mearsheimer, estas diretrizes mantém-se praticamente as mesmas, com variações de ênfase.
Com a formação dos Estados Nacionais, já antecipada inicialmente por Nicolau Maquiavel ao sintetizar a separação entre a moral e a política como fundamento da razão de Estado e afirmar que a unidade nacional deve afirmar a sua soberania contra os interesses particulares, estas concepções teóricas passaram a ganhar uma dimensão prática no desenvolvimento das políticas das nações nos séculos XVII/XIX.
Emergiu, assim, o conceito raison d’état. Expressão de origem francesa desenvolvida pelo Cardeal Richelieu (1585/1642), ela estabelece que os interesses nacionais do Estado constituído devem ser buscados de forma racional, seguindo um cálculo de custos e benefícios, visando o incremento do poder nacional e sendo julgados a partir de critérios exclusivamente políticos. Uma releitura do pensamento de Maquiavel.
Na Alemanha unificada de Otton Von Bismarck (1815/1898), as práticas do equilíbrio de poder e a ação baseada em considerações racionais visando o interesse do Estado passaram a ser definidas como realpolitik. E as mais versadas emergem no cenário europeu com a distinção entre: a low politics - esfera da economia e da cultura e a high politics- esfera da diplomacia, do poder e da guerra.
Por fim, Dougherty e Pfaltzgraff assim sintetizam os seis componentes básicos compartilhados pelas visões realistas:
1.    O sistema internacional é baseado no Estado-Nação como seu ator–chave.
2.    A política internacional é essencialmente conflituosa, uma luta por poder em um ambiente anárquico no qual estes Estados inevitavelmente dependem de suas próprias capacidades para garantir sua sobrevivência.
3.    Os Estados existem em uma condição de igualdade de soberania, porém detém diferentes capacidades e possibilidades.
4.    A política doméstica pode ser separada da política externa.
5.    Os Estados são atores racionais, cujo processo de tomada de decisão é sustentado em escolhas que levem à maximização de seu interesse nacional.
6.    O poder é o conceito mais importante para explicar e prever o comportamento dos Estados.
Portanto, embora o realismo seja baseado no poder e conflito, é também “uma ferramenta crítica para revelar a jogo dos interesses nacionais sob a retórica do universalismo”. (DUNNE and SCHMIDT, 2001, p. 179).
Referências:
BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. 3rd ed. Columbia University Press, New York: 2002.
DOUGHERTY, James & PFALTZGRAFF, Robert. Contendig Theories Of International Relations. Nem York, Longman, 1997.
DUNNE, Tim & SCHIMDT, Brian C. “Realism” in BAYLIS, John & SMITH, Steve (ED.). The globalization of world politics- an introduction of International Relations. Oxford: OUP, 2005, 3°ed. pp. 161-183.
HOBBES, Thomas. O Leviatã. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultura, 1998.
MIGUEL, Vinicius Valentin Raduan. A perspectiva realista nas relações internacionais – fatores estruturais do sistema político internacional. Blog Jus Navigandi, 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17929/a-perspectiva-realista-na-teoria-das-relacoes-internacionais. Acesso em 24 de junho de 2014.
GIFFONI, Manoel. Teoria das Relações Internacionais. Blog Fichas Marra, 2010. Disponível em: http://fichasmarra.wordpress.com/2010/11/12/teoria-das-relacoes-internacionais/. Acesso em 24 de junho de 2014.

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