domingo, 22 de junho de 2014

Resenha: Ensaio Sobre a Cegueira (2008)

Brenda de Castro
Internacionalista (UNAMA) e Mestranda em Ciência Política (PPGCP/UFPA)


Baseado na obra homônima de José Saramago e dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles, sendo assim uma produção brasileira, canadense e japonesa, “Ensaio sobre a cegueira” ou Blindness, é um filme que possibilita infindáveis discussões sobre inúmeros temas. Conta ainda no elenco impecável com Julianne Moore, Danny Glover, Alice Braga, Mark Ruffalo e Gael García Bernal.
A história gira em torno da epidemia de uma cegueira branca a qual não se sabe a origem e muito menos a cura, apenas que, ao entrar em contato com quem a possui a pessoa também passa a apresentar o sintoma. Assim, o caos se estabelece e o medo do contágio acaba por levar o poder público a isolar os afetados em uma espécie de quarentena.
Julianne Moore interpreta a esposa do oftalmologista (Mark Ruffalo) que foi o primeiro a atender um paciente com a cegueira, o qual também ficou cego. Contudo, apesar dela ter entrado em contato com o marido cego, por algum motivo ela não manifesta o sintoma. E, assim, quando o levam para a quarentena, ela se voluntaria a ir, afirmando também estar cega.
Como muitos filmes que trazem cenários apocalípticos, de sobrevivência ou de situações extremas, uma das abordagens para discutir o desenrolar do filme é a natureza humana em situações que não há lei ou ordem.
O lugar onde as pessoas que sofrem da cegueira são alojadas, por conta do alto índice epidêmico, não possui representantes do governo, apenas uma guarda que garante que ninguém saia e os alimentos que são entregues para eles. De resto, eles próprios começam a se organizar e dividir pelas alas.
Assim, quando alguns problemas começam a surgir – tais como a divisão da comida e a necessidade de distribuir algumas tarefas como enterrar alguns mortos – uma parte do grupo opta pela democracia representativa enquanto outra ala, incomodada pela iniciativa de ordenamento, declara-se nas palavras do personagem interpretado por Gael García Bernal: “uma monarquia”. Autodeclarando-se o “rei da ala três”. Uma cena cômica, mas que dá início aos primeiros problemas do grupo.
É possível afirmar que a situação em que se encontram remete ao estado de natureza hobbesiano, pois como o próprio diz: “onde não há poder comum, não há lei, e onde não há lei, não há injustiça”.  Os princípios da Teoria Realista das Relações Internacionais também são visíveis. O mundo anárquico e conflituoso no momento em que cada grupo/indivíduo tenta impor sua visão – seja pelo diálogo ou, mais tarde, pela violência. O uso da força, a prevalência do mais forte.
Por outro lado, podem-se observar também alguns princípios kantianos, e, consequentemente, idealistas. Por exemplo, temos na personagem interpretada por Julianne Moore uma negação do ditado “em terra de cego quem tem um olho é rei”. Apesar de possuir a visão, podendo ser considerada certa “vantagem”, ela não usa a seu bel prazer. Ao contrário. Faz da sua visão um meio para tornar a vida para os demais um pouco melhor e se doa, mantendo o fato inclusive em segredo. Até mesmo quando há a imposição violenta por parte do outro grupo, continua buscando a cooperação e o diálogo.

           No grupo do qual ela faz parte, também vemos ímpetos de cooperação para sobreviver à situação e humilhação imposta, inclusive levando à cena chocante em que várias mulheres se submetem à violência sexual a fim de manter a paz entre os grupos.
            Numa visão kantiana, o próprio conflito leva à busca por novos arranjos em busca de um propósito comum a todos ali. Tornando a visão reducionista do homo homini lupus um pouco mais complexa de ser analisada.
            Sendo até mesmo mais uma prova de que, seja num cenário hipotético ou real, duas visões extremistas podem coexistir.  
           

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